Sensação nova

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Depois de passar o resto do dia com seus amantes em casa — o que naquele em especial envolveu muitos abraços, beijos e carinho —, Arthur seguiu para a base da Ordem sozinho. Não precisava, mas queria conversar com Ivete sobre algumas coisas, incluindo seu relacionamento com Joui e Cesar, que haviam concordado em contar, embora o japonês, meio tímido, tivesse confessado que talvez ela já soubesse um pouco sobre a situação. O quanto ela sabia não importava, afinal não era o único assunto do qual Arthur queria tratar, e no caminho até a base, pensou neles com calma.

Os últimos dias estavam sendo maravilhosos. Desde que as fotos de Cesar voltaram ao normal, parecia que tudo finalmente estava indo bem, mas sendo sincero consigo mesmo, algo o incomodava. Incômodo talvez não fosse a palavra certa, não era uma sensação ruim, era só... diferente. Algo novo que nunca sentiu antes. Era difícil descrever o que sequer sabia de onde vinha ou o que de fato era, então esperava encontrar respostas com Ivete, que sempre o guiava de volta ao caminho quando se sentia perdido. Parecia um poder o que a mulher tinha, e mesmo que não fosse o caso, ela ainda era a pessoa mais forte do mundo e a que Arthur mais tinha admiração.

Ivete, diferente do usual, estava dentro do bar quando Arthur chegou, apoiada pensativa atrás do balcão.

— Oi, mãe — cumprimentou em um tom de voz mais leve, temendo a assustar sem querer enquanto se aproximava.

— Oi, filho — respondeu, voltando o olhar para ele, dando um sorriso que parecia triste.

— Tá tudo bem? — Já sabia a resposta, também sabia a causa. Conhecia aquele olhar, já o vira muitas vezes no rosto dela e também em seu próprio. Era o olhar de quem olhava para o bar vazio e lembrava dos dias em que a música alta e o som das risadas o preenchiam completamente. Era o olhar de quem sentia falta do que perdeu.

Permaneceu em silêncio por um tempo, olhando brevemente em volta antes de voltar o olhar para Arthur.

— Lembra do dia em que teu pai comprou a tua guitarra?

A pergunta o surpreendeu, não esperava essa resposta, embora a memória o fizesse sorrir. Sentou-se em uma das banquetas em frente ao balcão.

— Impossível esquecer, eu pedi tanto uma que ele não teve escolha a não ser comprar. — Riu, lembrando-se com carinho daquele dia, quando ainda era apenas uma criança inocente às maldades do mundo.

— O Brúlio veio até mim desesperado porque não sabia onde achar uma e as poucas que achou ele pensou que você não gostaria.

— Eu ia gostar de qualquer coisa que ele me desse. — Seu sorriso aos poucos foi sumindo, substituído por uma expressão mais séria e curiosa, não conhecia aquele lado da história.

— Além dos Gaudérios, você era a única coisa que ele tinha, ele sempre te buscou o melhor que ele podia — continuou, e mesmo olhando para Arthur, parecia que estava perdida em pensamentos. — Quando ele me procurou naquele dia, eu já sabia como ajudar.

— Ajudou ele a procurar uma guitarra? — Ivete piscou, parecendo sair de seus pensamentos, sorrindo novamente para ele.

— Eu dei pra ele a minha.

Agora era sua vez de perder-se em suas memórias, a informação o pegou desprevenido. Quando criança, na época em que sua paixão pela música começou junto de seus pedidos frequentes pelo instrumento, Arthur ganhou sua primeira guitarra, que além de primeira, era a única. Naquele tempo ela era grande demais para seu corpo pequeno, mas conforme os dias passavam, mais ideais ficavam para o outro. Nela, tocou as primeiras notas desengonçadas, cada show ao longo da carreira e até a música que compôs há alguns dias para Cesar e Joui em casa, presente em todos os momentos mais importantes de sua vida. Não esperava que ela pudesse pertencer a Ivete.

— Não sabia que você tocava — comentou, ainda surpreso.

— Eu sonhava com isso quando era garota, mas nunca tive oportunidade de realizar meu sonho. Com o tempo consegui comprar uma guitarra, mas com esse tempo veio a idade, as preocupações, os trabalhos e a gente só... esquece o porquê amava tanto aquilo. — Em silêncio, Arthur pegou uma das mãos de Ivete em cima do balcão, a segurando com sua própria. — No fim dos dias, quando eu tava em casa sozinha depois do trabalho, eu tocava um pouco pra tentar resgatar esse sonho, tentava sentir toda a mágica que eu sentia quando era pequena, mas aquele sonho tinha acabado. Eu achei que tivesse perdido.

Ivete sorriu novamente, secando uma lágrima que caía em seu rosto.

— Quando o Brúlio me contou aquilo e eu vi o teu olhar quando a gente te deu o presente, eu percebi que aquele sonho ainda vivia. Te ver tocando em cada show tão feliz me fez sentir aquela mágica de novo. — Naquele ponto, Arthur tentava não chorar junto com ela também. Apertou a mão dela mais forte, gentilmente. — Eu sinto muito orgulho de ti, Arthur, por ter realizado meu sonho mesmo sem saber, por não ter desistido dele depois de tudo, por manter o legado dos Gaudérios eternizado, por tudo.

— O legado tá com a gente — respondeu, olhando-a nos olhos. — Eu vim aqui com tantas perguntas na cabeça e você soube responder elas antes de eu perguntar. Você sempre faz isso, você é tudo. Eu te admiro muito.

Soltou a mão dela brevemente, apenas para poder pular por cima do balcão e abraçá-la forte, ambos chorando enquanto transmitiam naquele abraço toda a força e a coragem que tinham dentro de si mesmos. A jornada não foi fácil, perderam tanto no caminho e agora só tinham um ao outro, e era nisso que se agarravam, àquela força que os unia, às perdas mas também ao que ainda tinham. Na família, simplesmente, que apesar de machucada após tanto perder, jamais perdia o amor e a força de vontade em manter o legado da gangue vivo:

Gaudérios Abutres morrem por quem eles amam, mas também vivem em nome dos que se foram.

Arthur não era tão forte quanto Cristopher, inteligente como Elizabeth, carismático como Thiago, tão bom programador quanto Cesar, atlético como Joui ou sequer semelhante a qualquer outra pessoa no mundo. Ele nunca seria. Ele era Arthur Cervero, um Gaudério Abutre que mesmo após perder quase tudo o que tinha, ainda tinha a si mesmo e a seu legado. Ele era ele mesmo, e isso bastava.

Arthur era suficiente. Ele importava, fazia a diferença. Com seu jeito único de ser, com cada talento ou defeito.

Aquela sensação nova que a princípio lhe causava dúvida agora já não o confundia mais, tinha todas as respostas que precisava. Um sentimento diferente que até então desconhecia, algo novo que não entendia.

Aceitação.

Ele não era fraco, a verdade é que ele era tão forte que poderia simplesmente afastar as nuvens e trazer o brilho das estrelas novamente para si, deixando o céu, antes cinzento, iluminado novamente. Poderia tocar o infinito, vagar pelo universo sem fim explorando toda a beleza dele e mesmo assim, mesmo se visse toda essa vastidão com seus próprios olhos, mesmo vendo a mais bela das estrelas de perto, o brilho dela não era maior que o seu, assim como o seu não era maior do que o dela. Eles brilhariam juntos, iluminando o mundo.

Um refúgio em seus braçosOnde histórias criam vida. Descubra agora