LEO CHEGA AO LOCAL DO CRIME

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    Leo Fantini, vestindo o uniforme de mensageiro do Emperor Park Hotel, foi um dos primeiros moradores do bairro, Bela Vista, a comparecer ao local do crime.

    O pedido, por telefone, feito pelo próprio delegado, surpreendeu-o.

    - Podia deixar o hotel por uma hora e vir ao Bexiga reconhecer o corpo de um homem assassinado?

    - Conheço essa pessoa, doutor?

    - Informaram que se trata de um amigo de sua família.  Se tivesse telefone em casa, convocaria seu pai. Anote o endereço.

    Leo atendendo ao telefonema no balcão da portaria do Park, ficou tenso.

    - Quem foi assassinado?

    - O Alexandre.

    Leo, aliviado:

    - Não conheço nenhum Alexandre.

    - O vigia de uma obra paralisada.

    - Não conhecemos vigia de obra alguma, doutor.

    - Mesmo assim venha.

    Leo pedio licença ao Percival, o gerente do hotel, saiu, e perguntou ao Guima, o porteiro:

    - Conhece no Bexiga um vigia de obra chamado Alexandre?

    - Não - respondeu Guima, antigo morador do bairro e dono de boa memória.

    - Seja como for, mataram o coitado.

    Ao chegar ao endereço, ditado pelo doutor Arruda, Leo viu um edifício de cinco andares em construção.  Costumava passar por ele quando ia com sua mãe à igreja da Achiropita.

O delegado realmente se enganara: jamais vira algum vigia daquela obra.

    Havia uma viatura da polícia parada diante do prédio, já observado por alguns curiosos. Leo pagou o taxi e dirigiu-se a um policial.

    - Doutor Arruda?

    - No primeiro andar com o pessoal da Técnica. Vá entrando.

    Leo subio um lance de escadas, ouvindo vozes. Na sala de um apartamento em construção,  entre alguns policiais,  o delegado conversava com um rapaz baixo e magro, muito pálido e assustado.  Um investigador, o Lima, olhava-o, atento, como se temesse sua fuga. Aproximou- se.

    - Obrigado por ter vindo, Leo - disse o delegado.  - Conhece esse moço?

    - Acho que não - respondeu o mensageiro após breve exame.

-Chama-se Muriçoca e mora numa casa de dois cômodos da vizinhança. Foi quem descobriu o corpo. Diz que veio procurar emprego.  Nunca o viu mesmo, Leo?

-Não.

-Leve-o de volta à delegacia - ordenou o doutor Arruda ao Lima. - Mande levantar a ficha dele e examine os documentos.

- Se estiver tudo correto, devo liberá-lo depois?

-Espere eu voltar. Quero interrogá-lo mais um pouco.

Lima desceu as escadas com os cinco dedos apertando o braço do trêmulo Muriçoca. Um repórter fotográfico, que subia, bateu uma foto dos dois. Alguém comentou que o criminoso já havia sido apanhado.

-Como disse pelo telefone não conheço nenhum vigia de obra - declarou Leo ao delegado.

- O empreiteiro informou que não era propriamente um vigia. Não tinha salário. Permitiam que dormisse aqui para barrar a entrada de marginais. Acompanhe-me.

Doutor Arruda levou o rapaz ao quarto vizinho onde o pessoal da Polícia Técnica fazia o trabalho de rotina. O cobertor fora retirado da janela. Leo logo viu o corpo, o rosto colado no chão e coberto pelo braço direito, estendido. Mas bastava aquela inseparável camisa verde, puída e desbotada, para reconhecê-lo. O delegado estava certo: Era de fato um conhecido dos Fantini.

-Nunca soube que se chamava Alexandre.

-Alexandre de Souza. Tinha uma cédula de identidade no bolso.

-Para nós e para o bairro todo era apenas o Boa-vida.

-Quando o viu pela última vez?

Almoçou ontem em casa.  Ia lá, as vezes, aos domingos. Era nordestino mas gostava muito do macarrão e das bracholas da mamãe.

Leo deu alguns passos para o interior do quarto.  Lá estava a espiriteira que dona Iolanda dera a Boa-vida e troca de uma subida ao telhado para ajustar a antena de televisão. O colchão, presente de tia Zula. Viu duas xícaras com restos de café. Pontas de cigarros espalhados pelo chão. Ah, aquilo era importante para Boa-vida - folhetos de roteiros turísticos! Sua leitura predileta. Costumava dizer que, se fizesse os 13 pontos da loteca, partiria numa viagem ao redor do mundo. Abaixou-se e apanhou um dos folhetos para guardar como lembrança daquele que tanto divertira os Fantini com sua música,  suas manhas e seu papo engraçado.

-Mataram para roubar? - perguntou ao delegado.

-Não houve roubo - respondeu o doutor Arruda. - O rádio está ali e encontramos dinheiro em seu bolso. Um ladrão teria levado tudo. Até a espiriteira.

Leo continuava olhando para os míseros pertences de Alexandre. Viu cabides com roupas muito usadas. Discos amontoados num canto. Uma caneca de ágate. Exemplares antigos de revistas. Mas faltava alguma coisa. Algo muito ligado à vida e  personalidade do assassinado. Tão importante como sua própria sombra. Lembrou-se, afinal.

- E a sanfona, doutor?

-Não havia aqui nenhuma sanfona.

-Mas Boa-vida tinha uma! Pergunte a todos que o conheciam. Não a levou domingo, mas ainda esta semana passou pela porta de casa com ela.

-Aqui ninguém buliu em nada - disse o delegado.  - Tudo está como foi encontrado.  Se havia sanfona, desapareceu.

Leo começou a interessar-se pelo caso ao tirar a primeira conclusão: 

- O senhor disse que o motivo não foi roubo. Mas foi. Procurem quem roubou a sanfona e encontrarão o assassino.

Um cadáver ouve rádioOnde histórias criam vida. Descubra agora