Assim que retorna, Akoman é posto a par de sua missão. Ele segura a arma, mantem o dedo indicador no gatilho e sorri abertamente quando os outros dois deixam a sala.
Respiro fundo e me atrevo a olhar em sua direção. Suas feições não mudam. Seu sorriso sádico permanece estampado no rosto alvo, contudo, seu olhar parece mais profundo e mordaz. Ele me fita como se me desafiasse, ansiasse por uma reação para que tivesse um pretexto para descarregar o pente em meu peito.
– Por que não atira em mim? – arrisquei, imaginando se meu desejo de hoje mais cedo se concretizaria.
Akoman arregala os olhos e levanta as sobrancelhas, parecendo estar curioso.
– Atire em mim. – insisti.
– Por que eu deveria fazer isso?
– Você tem uma arma e eu tenho um forte anseio pela morte. – tento convencê-lo, desejando pular a parte onde eles me torturam e ir direto para a parte onde uma bala encerra meus impulsos nervosos e enfim posso descansar em paz.
– Mas ai não teria graça. – ele responde, e mais uma vez o meu sangue congela.
Agora vejo que é mentira o que dizem sobre estar perto da morte. Não passa um filme na sua cabeça e você não se lembra de seus arrependimentos em vida. Você se agarra ao presente, e apenas a ele, e luta pelo privilégio de respirar por mais um dia. No meu caso, porém, não sinto a necessidade de permanecer viva. Nunca senti. Gostaria apenas de me desligar desse mundo antes que esse trio realize suas fantasias perversas comigo.
– Eu não era assim, sabe? Ficando sozinha em casa enquanto minha família viaja, conversando com estranhos na internet... – dissimulo, tentando despertar pena nele.
– Ah, é mesmo? – sua voz carrega cinismo.
Ele troca a arma de mão, em um visível gesto de intimidação. Engulo em seco, no entanto, mesmo assim prossigo, suando frio.
– Já fui feliz um dia. Mas já faz tanto tempo que é como se tivesse sido em outra vida. Você tinha que ver. Eu era sorridente, cheia de vida. - forço um sorriso. – Estudava duro, tinha amigos, uma família unida... mas parece que agora não me sobrou nada. Meus dias são todos iguais. Odeio o meu emprego e parece que tudo o que faço, dentro ou fora do escritório, não é o bastante.
Akoman estreita os olhos, umedece o lábio inferior com a língua e bate as mãos uma na outra vagarosamente, emitindo palmas sonoras e sarcásticas. De repente ele cessa as aclamações, adotando uma expressão mais dura, contudo, igualmente bem humorada.
– Pobre e incompreendida Mallory. Vivendo em uma casa enorme com quintal com cerquinhas brancas. Ela tem tudo. Emprego, família, está quase se formando na faculdade... – ele senta-se na mesinha de centro e bate os coturnos no chão. – e mesmo assim não é feliz. – o rapaz faz beicinho. – Eu tenho pena de garotas como você, que tem o mundo nas mãos e mesmo assim são mal agradecidas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quando soam os sinos [Concluída]
Short StoryEla só queria ser uma jovem normal, se aventurar em um site de paquera e passar o feriado com um namorado de aluguel. Mas ao ver que a crueldade é o pior presente que a humanidade pode dar a si mesma, Mallory descobre que nunca desejou tanto passar...