Capítulo IV

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Por mais que eu tente, a comida simplesmente não desce

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Por mais que eu tente, a comida simplesmente não desce. O macarrão parece ter gosto de papel e criar um bolo tão grande em minha garganta que sou incapaz de engolir, mesmo assim, diante da visão da arma que descansa próxima as mãos de seu dono, esforço-me para fazer com que a massa suma do meu prato.  

 A forma como eles simulam tão naturalmente uma ceia de Natal é pavorosa, e poderia enganar facilmente a qualquer um que nos visse de fora. Contudo, eu faço parte desse circo dos horrores e asseguro que o sorriso que carrego demanda de toda concentração e energia para se manter em meus lábios. 

 – Passe o sal, por gentileza. – Andras pede calmamente.

 Estremeço e olho de esguelha para Akoman, que apenas retribui meu olhar e desliza o polegar pelo cano cromado da pistola. Sabendo se tratar de uma ameaça velada, endireito-me na cadeira e com movimentos vacilantes alcanço o saleiro e o estendo para o homem que o pediu. 

– Obrigado. – Ele agradece com um ligeiro movimento de cabeça e despeja um pouco do conteúdo do vidro na salada em seu prato.

 Engulo em seco e abaixo a cabeça, mirando o meu prato quase intocado. Ações simples desempenhadas diariamente pelo meu corpo agora parecem ser impossíveis de serem realizadas. Dou graças aos céus por estar sentada visto que andar se compara a correr uma maratona devido a todo o meu nervosismo.

 – Seja educada e responda ao agradecimento, amor. 

 _ De nada. – respondo, encontrando dificuldade em respirar e falar ao mesmo tempo.

 Pego o garfo, enrolo alguns fios de espaguete e o levo aos lábios, lutando contra o amargor que insiste em estragar meu paladar. 

 Como será que meus pais estão agora no Brasil? 

 Gosto de imaginar minha mãe usando um vestido cor creme, leve e de alcinhas, calçando rasteirinhas e corando as bochechas enquanto bebe vinho e dança ao som de sambas antigos. Bem que ela já tentou me ensinar a sambar, mas infelizmente nunca levei jeito com a música. Meu pai, por outro lado, deve estar aos risos, tropeçando nos chinelos enquanto que, entre um copo e outro de cerveja bem gelada, tenta acompanhar os passos elaborados da esposa. 

 Suspiro e contenho a enxurrada de lágrimas que ameaçam romper minhas pálpebras. Dói demais fantasiar a felicidade dos meus pais ao mesmo tempo em que estou vivendo em meu próprio inferno. 

 Maldita hora em que recusei o convite para aquela viagem. Maldita hora em que insisti que eles deveriam comemorar as bodas de prata sozinhos, apenas os dois. Mais ainda. Eu me amaldiçoarei pelo resto da minha vida por ter me inscrito naquela droga de site de relacionamentos. Se eu tivesse de fato me contentado em ficar sozinha, poderia estar indo dormir amargurada e acordando no dia seguinte ainda reclamando do fracasso que é a minha vida. Porém, ao menos minha dignidade estaria intacta, e meu corpo, intocado.

Quando soam os sinos [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora