Capítulo I

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  – Por favor, alguém me dá um tiro

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  – Por favor, alguém me dá um tiro.

Aperto o cachecol ao redor do pescoço, protegendo-me do frio castigante enquanto percorro as ruas esburacadas do distrito onde moro. Meus pensamentos não pertencem à mim, e sim à nevasca que está prestes a começar. Engulo em seco e acelero as passadas, fitando minhas botas que afundam no fino tapete de neve até que minha visão é cegada por faróis altos, e o único som que se sobressai é a estridente buzina do carro que passa a centímetros do meu corpo. O motorista profere uma série de palavrões e em seguida acelera, cortando o ar com o ronco do motor.

 Sobressalto-me e instintivamente retorno à calçada de onde não devia ter saído, contudo, não consigo evitar o ímpeto que meus pés tem de me lançar ao meio fio na esperança de ser levada por algum automóvel. 

 De um tempo para cá, a morte tem se tornado um desejo cada vez mais crescente em mim, pois a dor de deixar este mundo não me parece tão ruim quanto o fato de que tenho que viver nele dia após dia. Sinto que estou trabalhando cada vez mais para sustentar a cada dia que passa uma vida onde não sou feliz. Minha existência parece estar intimamente ligada à mediocridade.

 Chego em casa após um longo dia de trabalho onde constantemente me sinto insuficiente. Empurro a cerca da frente, que quase se desmancha ao meu toque por conta da podridão da madeira e atravesso o pequeno jardim. Uma vez no hall de entrada, retiro o cachecol e o grosso casaco de lã e os penduro no cabide atrás da porta, minimamente contente por estar no interior aquecido. 

 É véspera de Natal, no entanto, minha casa é a única da rua que não encontra-se decorada com enfeites e luzes natalinas. Músicas como Jingle Bells e We Wish You a Merry Christmas irrompem pelas paredes, vindas diretamente dos lares alegres e festivos dos vizinhos, e através das janelas eu posso ver o brilho dos pisca-piscas adornando a sala dos Whites. Mesmo assim, não sinto-me compelida a entrar no espírito festivo do final de ano. A vida é uma droga, e eu só quero tomar um banho, deitar na minha cama, dormir e não acordar mais.

 Enquanto subo as escadas em direção ao banheiro, tiro meu celular do bolso e olho minhas mensagens, deparando-me com um texto da minha avó que diz "Não é porque seus pais foram viajar que você precisa passar o Natal sozinha."

 – De fato, não é porque tenho uma família que sou obrigada a gostar de me reunir com ela.

 Pela formalidade da mensagem imagino que ela tenha pedido ajuda da minha tia para digitar, mas de qualquer forma, respondo que vou pensar e talvez passar lá mais tarde, mesmo que no fundo eu nem esteja considerando essa opção.

 Já em meu quarto retiro a roupa e a jogo em cima da cama, pego uma toalha e deixo o cômodo com ela nos braços sem me importar em estar completamente nua. Como estou sozinha não preciso me preocupar com certos pudores. Empurro a porta do banheiro, acendo a luz e dou de cara com o meu reflexo abatido no espelho. Olhos azuis evidenciados por pesadas olheiras me encaram de volta, emoldurados pelo meu rosto pálido e abatido e cabelos desgrenhados. A costumeira ardência em meu peito sobe pela garganta e me faz querer chorar, porém eu a engulo, desvio o olhar do espelho e entro no chuveiro. Giro o registro e suspiro em alívio quando a água morna atinge a minha pele.

 Permaneço submersa por longos vinte minutos, fazendo com que o vapor preencha o ambiente e transforme o banheiro em uma espécie de sauna. Quando termino, saio do box, seco-me com a toalha e a enrolo no corpo para me proteger da mudança de temperatura que sofrerei ao deixar o cômodo. 

Penso na pilha de tarefas que preciso cumprir para o trabalho e as dúzias de pesquisas do curso, e ao ter  o vislumbre dos meus afazeres o meu corpo estremece. 

 – Se eu pudesse fazer um pedido de Natal, pediria para o Papai Noel me atropelar com o trenó. – digo enquanto arrasto-me de volta para o meu quarto. 

 Escolho um conjunto de moletom cinza e o visto, a seguir fico em frente ao espelho ao lado da cama e prendo meus cabelos úmidos em um coque alto. Eu não tenho intenção nenhuma de sair de casa, por esse motivo, não vou perder meu tempo escovando o cabelo e fazendo chapinha. A verdade é que tenho cada vez menos vontade de me arrumar, pois se levantar todos os dias para ir trabalhar já está sendo um sacrifício, quem dirá passar gloss e rimel. Minha mãe pega muito no meu pé e diz que estou ficando descuidada, e claro que não tiro a sua razão. Contudo, ela não entende a dor e desânimo que sinto quando estou sozinha com meus pensamentos. Quando digo sozinha, não quero dizer literalmente isolada. Tenho aperfeiçoada cada vez mais o dom de ficar alheia à realidade mesmo quando estou cercada de pessoas que amo.

 Estando vestida, recolho a roupa usada e a enrolo em um bolo disforme de tecidos para levá-lo até o cesto de roupas sujas na lavanderia, mas assim que deixo o quarto ouço um barulho no andar de baixo. Estremeço e paro abruptamente, sentindo os pelos do meu corpo se eriçarem e um calafrio percorrer meus ossos. O som era semelhante a uma janela batendo ou um móvel sendo levemente arrastado. 

 – Oi? - chamo enquanto tomo coragem e desço vagarosamente os degraus. – Mãe? Pai?

 Uma mão mantenho trêmula no corrimão, enquanto que com a outra pressiono minhas roupas contra o peito. 

 O silêncio então reinou. Chego aos pés da escada e apuro a audição, procurando o menor ruído sequer, no entanto nada mais escuto além do sangue pulsando em meus ouvidos. Suspiro e dou de ombros, convencendo-me que é apenas o meu cérebro pregando peças, sendo assim, continuo meu trajeto até a lavanderia. 

 O chão está frio e meus pés descalços protestam quase dormentes, mas mesmo assim não paro. Desço mais alguns degraus, deixo as roupas no cesto de vime e retorno à cozinha. 

 Estou pronta e ansiosa para retornar para o meu quarto e passar horas assistindo filmes natalinos repletos de clichês que nunca viverei enquanto me sinto sozinha e miserável, quando  de repente, sinto meu corpo ser envolto e minha boca ser tapada por uma mão coberta por luvas de couro. Meu coração parece ter ido de zero a cem em um piscar de olhos. Tento gritar e me debater, no entanto, meus lábios são cada vez mais pressionados e os meus ossos espremidos. 

 Ao fundo, uma cacofonia de vozes misturam-se com a alta dose de adrenalina que se espalha por minhas veias, mas sou incapaz de distingui-las por conta do pânico que apodera-se dos meus sentidos. Tento respirar fundo, contudo, o ar simplesmente não encontra o caminho até os meus pulmões. 

 A única coisa que eu tenho consciência é de que estou sendo levada até a sala de estar enquanto meu nome é chamado diversas vezes. 

 Mas sou impedida de responder.

 Mas sou impedida de responder

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Quando soam os sinos [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora