Capítulo 1 - Pulo no arco-íris

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Eu estava feliz, e não me lembro de me sentir assim à muito tempo. Pelo menos não desde que mamãe morreu. Eu tinha dez anos na época e meu irmão ,Luca, apenas cinco. A morte dela afetou tudo nas nossas vidas, principalmente na de papai. Ele passou a trabalhar muito para nos sustentar sozinho e quase não o víamos em casa, então estar no carro dele para ir passar um dia de lazer no parque Ibirapuera era o que eu chamava de um bom motivo para estar feliz.

Acha que um dia de passeio com a família é pouco para justificar minha felicidade? Então deixe eu explicar as coisas. Não era todo dia que o "Super policial" Paulo Dantas, como Luca se referia à papai quando queria implicar com ele, tirava dois dias de folga seguidos para passar um tempo de qualidade com a família. E não me entenda mal, eu não digo isto como crítica, o salário de um policial em São Paulo não é o suficiente para garantir uma vaga em uma boa escola particular e ainda bancar os cursos de informática e inglês que eu e meu irmão fazemos. Papai passa muito tempo longe de nós porque se preocupa demais com o nosso futuro. Assim sendo, sim, eu estava muito feliz por papai ter dado um jeito de passar um tempo com a família.

Hoje, olhando de longe, dava até para pensar que erámos uma família normal e não um grupo de desconhecidos. Entre minha rotina na escola, a fase "aborrecente" de Luca e o trabalho de papai, nós quase não trocávamos palavra um com o outro em casa. Cinco anos se passaram desde a morte de nossa mãe e nesses cinco anos uma espécie de abismo se abriu entre nós. Um abismo que eu esperava poder desfazer durante o passeio, ou pelo menos diminuir.

"Nossa família é a sua força, Kelly. Jure para mim, mantenha todos sempre juntos e a salvo. Este é seu geas e nunca deve ser quebrado." Era o que mamãe sempre me dizia. Ela era irlandesa e acreditava em vários tabus e lendas malucas de seu pais de origem, como o geas (Ou geasa, no plural) um tipo de voto sagrado que todo mundo carregava ao longo de sua vida. Mamãe nos ensinou tudo sobre antigos costumes da Irlanda, coisas nas quais ela acreditava e apesar dela nunca ter me convencido a dar leite a fadas imaginárias, de alguma forma sempre levei muito a sério seu pedido de cuidar da nossa família. Não sei, acho que é algo sensato a se pedir de uma filha e eu estava disposta a fazer minha parte para deixá-la orgulhosa.

— Será que ainda alugam barcos para passear no lago? Ia ser legal pedalar na água, não acha Kelly?— Papai perguntou, me olhando de esguelha, sem tirar muito de seu foco do caminho.

Sorri e fiz que sim com a cabeça.

— O que você acha, Luca? — Me virei no banco do passageiro para falar com meu irmão, em uma tentativa de estabelecer um diálogo de três partes.

Afundado dentro de seu próprio mundo enquanto ouvia algum rock pesado no celular, ele nem me escutou. Ou o que era pior, podia ter escutado e estava apenas me ignorando. Pensei em tomar o celular da mão dele, mas não estava a fim de começar o dia com uma briga. Às vezes eu me perguntava se nosso parentesco era real. Digo, além dos cabelos pretos, pele muito pálida e olhos azuis, o que mais tínhamos em comum? Quase nada.

— Eu vou amar se pudermos dar uma volta no lago. — Disse à papai, tentando fingir que a atitude de Luca não me perturbava.

— Eu também vou. — Ele respondeu, sorrindo. — Um sol como o de hoje pede mesmo por um passeio no lago.

Nesse exato momento algo muito estranho aconteceu. Uma chuva fortíssima começou a cair do céu que à segundos atrás estava limpo e muito claro. "Ok, isso não é normal. Mesmo para São Paulo" pensei, enquanto tentava enxergar alguma coisa além da água que nos cercava. Preocupado, papai começou a desacelerar o carro. E foi aí que batemos em alguma coisa e o mundo resolveu dar voltas e mais voltas. Ouvi gritos de dor, um deles eu tinha certeza de que era o meu.

Lâmina de guerra: Origem da guerreiraOnde histórias criam vida. Descubra agora