Capítulo 03

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Quando Alexandre chega em casa não é tão tarde assim, mas está tudo escuro. Sua mãe já saiu para cumprir o seu turno no hospital e seu pai sabe-se lá por onde anda. Desde que perdeu o emprego há uns três anos vive de bicos, e nunca tem horário certo para nada.

Destranca a porta da sala e antes de acender a luz vê que há alguém tombado no sofá. Tentando não fazer barulho, entra e tranca tudo novamente.

A figura ali é inconfundível, mesmo na penumbra: o cabelo desgrenhado, a barriga escapando da calça, o ronco comprovando que está adormecido. E pela posição em que faz isso fica claro que caiu ali no sofá depois de ter enchido a cara. Mais uma vez.

O fato de estar desmaiado é ótimo para o garoto. Depois de ter vivido um dia quase perfeito, a última coisa que precisa é lidar com o progenitor. Ao menos quando está apagado é um pai melhor do que quando acordado. Vira-se para ir para seu quarto, mas a sorte não parece estar a seu favor.

— Quem tá aí? — A voz embriagada provoca-lhe um calafrio, a pancada que lhe deu no dia anterior pela manhã até volta a doer.

Dá mais alguns passos, ignorando seu chamado, torcendo para que volte a dormir e pense que tudo não passou de um sonho.

— Mas que merda! — As palavras saem quase em um rosnado. — Quem é que está aí?

Antes que possa sair da sala a luz é acessa. Vira-se no susto e o encara. Seu pai agora está totalmente desperto, o corpo esticado para alcançar o interruptor.

— Ah, é você, moleque. O que está fazendo entrando em casa como se fosse um ladrãozinho?

— Eu não queria te acordar. — Tenta controlar sua própria voz, para não deixá-lo ver o medo que está sentindo. Alexandre percebeu que o pai parece feliz quando ele demonstra medo, e prometeu a si mesmo que não lhe daria mais esse gosto.

Abner pisca algumas vezes e se ajeita no sofá, olhando o relógio de pulso.

— Você não queria era tomar uma bronca. Isso são horas de chegar em casa?

Alexandre não responde, porque não importa o que disser, sabe qual será o resultado desta conversa. Já não tem mais volta.

Seu pai se levanta do sofá ainda cambaleando e se aproxima dele, que tenta se manter firme.

— Eu perguntei se isso são horas de chegar em casa? — O garoto se mantém em silêncio, de cabeça baixa. — A sua mãe foi para o trabalho preocupada porque não sabia onde você estava.

— Mentira, porque eu avisei para ela para onde ia. — Antes que possa se controlar, acaba lhe respondendo. Porque o que diz não é verdade, sua mãe sabe de todos os seus passos, sabe exatamente onde passa as suas tardes depois da escola.

Ana Maria já tem muito problemas em sua vida e Alex tenta não ser mais um. É um bom filho, faz tudo direitinho para que ela não precise se preocupar com ele. Passa as tardes com os amigos porque adora, mas também porque é a melhor maneira de ficar longe de casa e evitar conviver com Abner por muito tempo.

— Está me chamando de mentiroso?!

Antes que possa entender o que está acontecendo, sente o ardor no rosto, a cabeça virando para o lado com o impacto. O tapa é tão forte que não consegue manter o equilíbrio e acerta a cabeça na parede, indo para o chão em seguida. Mas seu pai ainda não está satisfeito e continua vindo para cima dele, fazendo com que se encolha de medo.

— Eu não fiz nada — resmunga, tentando não chorar com a dor que se espalha por toda a sua cabeça. Ele nunca faz nada e, mesmo assim, seu pai continua arrumando desculpas para lhe acertar.

— Vai continuar me respondendo? — Seu grito faz com que o filho se encolha ainda mais. — Eu sou seu pai e você vai aprender a me respeitar de um jeito ou de outro.

Ele avança para cima de Alexandre, que é mais rápido e rola para o lado, fugindo do seu alcance. Agora é o pai quem perde o equilíbrio e acaba no chão. Aproveitando o momento, Alex corre para o seu quarto e passa a chave na porta. Somente quando se sente seguro é que se permite chorar.

— Abre essa porta, moleque, ou vai ser pior pra você!

Escorrega o corpo pela parede até acabar sentado no chão, abraçando os joelhos. Chora baixinho, enquanto ouve os chutes e socos que o pai dá na porta, tentando abri-la. Alexandre tem medo de que dessa vez ele vá conseguir colocá-la abaixo, mas o alívio logo vem quando ele desiste e vai embora.

Sem forças para mais nada, deita-se no chão e abraça o próprio corpo, deixando que as lágrimas levem a sua raiva e frustação junto com elas.

Quando Durmo Ao Seu Lado - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora