Havia quase dez dias que Alicia fora morar com Margot. As duas estavam se dando bem, e aos trancos e barrancos Cici estava aprendendo a trabalhar na Alma Adocicada.
Estava acompanhando a tia em tudo: atender os clientes, receber novas entregas de chá, limpar. De fato, Alicia não sabia fazer muita coisa considerada básica, e Margot percebeu isso logo de cara. Porém, ela aprendia rápido, e sua força de vontade parecia se renovar a cada vez que arranjavam algo para fazerem juntas.
Cici era apegada à ideia de momentos em família, e os principais daqueles primeiros dias envolviam a decoração de seu quarto. A tia dissera que ela poderia escolher tudo, inclusive a cor das paredes, e foi isso que fez.
Escolheu um tom de verde claro e branco, então ela e Margot passaram uma noite inteira lutando com os baldes de tinta. E, depois, Alicia começou a pintar esboços de flores nas paredes verdes. Pintar era uma de suas paixões, mas não era sempre que tinha chance de exercê-la.
De qualquer forma, Alicia se sentia empolgada com a ideia de criar um cantinho só seu. Ela se agarrava a isso, porque, assim, mesmo com as mudanças que viriam, teria um espaço que seria imutável.
Quando o medo sussurrava em seu ouvido que não seria capaz, ela se lembrava que logo teria um refúgio para dissolver esses receios, mesmo que não pudesse ficar nele todo tempo. Por isso, estava determinada a terminar as decorações o mais rápido possível.
E por isso, também, que ela estava agora andando pelo centro da cidade até a carpintaria que sua tia dissera que ela poderia comprar uma estante para colocar seus livros e um móvel de cabeceira.
Margot havia até desenhado o caminho no papel para Cici, e ainda assim, quem olhasse para a garota perceberia um pequeno desespero. Ela definitivamente não estava acostumada a andar por aí com tanta gente ao redor, com coisas rápidas como carruagens e cavalos e vendedores com carrinhos e crianças.
Só sabia que devia olhar para os lados sempre antes de atravessar a rua. Porém, mesmo com o cuidado, em algum momento uma bicicleta surgiu de repente, passando de raspão por Alicia, e ela caiu para o lado com o susto.
— Ei! Olha por onde anda! — exclamou o rapaz que pedalava, meio em choque.
— Eu que sugiro que faça isso! — Alicia retrucou, tirando o cabelo do rosto enquanto se levantava. Ela não sabia fazer os penteados que sua mãe fazia, por isso estava tendo dificuldades em manter os fios longe do rosto.
Quando conseguiu colocar a maioria deles atrás das orelhas, ela fixou os olhos raivosos no rapaz. Ele tinha um cabelo preto protegido por uma boina e olhos mais escuros ainda.
— Eu estava olhando, moça! Você quem se precipitou!
— Eu também estava olhando, moço. — Alicia ironizou, as mãos nos quadris. Ela sentiu os olhares das pessoas ao redor, e ao perceber que chamava atenção, sua atitude indignada recuou.
— Senhorita...
— Algum problema por aqui? — um homem que parecia ser um policial se intrometeu, encarando os dois jovens com um olhar questionador. A briga pareceu esfriar na hora.
— Não, senhor.
Responderam em uníssono, e o guarda se foi depois de analisá-los por alguns instantes. Antes de seguir, Alicia encarou mortalmente o rapaz uma última vez.
Ela seguiu o resto do caminho todo até a carpintaria com o passo pesado. Precisava extravasar de alguma forma.
— Bem-vinda. — uma voz masculina cumprimentou Alicia quando ela passou pela porta e um sininho soou — Você deve ser a sobrinha de Margot, não é?
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Cubo de Açúcar ✓
Short StoryReceoso sobre a falta de vivências da filha com o mundo, o pai de Alicia a envia para morar com a tia, Margot, e trabalhar em sua loja de chás, a Alma Adocicada. Entre o medo da mudança e inseguranças, Cici se descobre como pessoa ao mudar sua reali...