Prólogo

80 13 17
                                    

Yi'v sente a contração em seu ventre, mais uma vez. A barriga larga e protuberante reluz diante da fraca tocha que ilumina o interior da pequena reentrância da caverna, sua casa. Had'm não conseguiu nenhuma caverna mais profunda diante da disputa com seus conterrâneos. Vivem, ele e a fêmea grávida, no espaço que sua força permitiu-lhe conquistar.

Had'm não está ali agora. Está com os outros homens da tribo em busca de comida, carne, para encher-lhes as barrigas. Yi'v está só e amedrontada. A dor das contrações aumentam, assim como a frequência dos espasmos.

Sua respiração se acelera involuntariamente, suas pernas abandonam as forças. A mulher se põe de cócoras quando o líquido se esvai em uma golfada pelo piso pedregoso da fenda que a abriga. Sua voz emite um grito, seguido por gemidos e, em pouco tempo, a cabeça do bebe aponta pela vagina da mulher aflita.

A criança sai de uma vez só. Yi'v cai de costas sobre a placenta derramada pelo chão. Sente o pequeno ser escorregadio deslizar sobre suas coxas. Instintivamente, recolhe o rebento e, finalmente, ouve o grito de protesto do pequeno ser. O bebê reclama, com o rosto vermelho, as pálpebras apertadas, pelo choque da perda do útero confortável e quente, diante do chão gelado e duro ao qual foi atirado em sua primeira experiência como um ser vivente.

Yi'v morde o cordão e come o pedaço preso entre seus dentes. Aproxima o pequeno de seu seio. O bebê suga vorazmente o leite de sua mama quando, finalmente, se acalma.

Yi'v anseia pela luz do dia. Espera que os monstros devoradores do Sol finalmente se vão e que a claridade traga de volta seu Had'm. A noite a enche de suspeitas e terrores. Consegue se levantar, enrola a si mesma e ao bebê com a pele de carneiro-de-dente que deixara cair a seu lado durante o trabalho de parto. A criança sente o calor do corpo da mãe, se empertiga e retoma o voraz sugar da teta jovem e branca da única criatura que o interessa. A mãe.

Yi'v segue até a frente da fenda, com o filho ainda no colo. Não vê nada, sente apenas o vento gelado em sua face. Atira mais um galho à fogueira tímida que o marido deixou à frente de seu abrigo. O fogo, dádiva sagrada, é a única barreira entre ela e as feras que rodeiam o povoado da encosta escarpada.

Retoma para o fundo da gruta. Olha para o menino para então admirar o fruto de sua própria criação. Sente algo que não consegue nomear. Apenas sabe que deve cuidar da pequena criatura, sabe ser parte de si. Acaricia a bochecha da criança até que o bebe durma.

Coloca-o sobre o couro de animal enrolado em um canto. Volta-se para o pequeno altar ao lado de seu leito de folhagem. A imagem de mulher, com as pernas abertas e uma vulva desproporcional, se tornam objeto da atenção da selvagem. Yi'v acende um graveto aproximando-o da tocha e, assim que a chama se firma sobre a ponta seca, recolhe um pedaço de carne de caça, o último bocado de suas provisões e a queima com a débil chama.

— Gai'ah. — Yi'v sussurra, reverente.

O cheiro de carne assada, mesmo que, de apenas um pequeno pedaço, a faz salivar, Yi'v se contém, coloca o naco entre as pernas da deusa. Está agradecida pela graça de seu parto, Gai'ah merece essa compensação. O bebê chora. Yi'v retorna para cuidar de sua cria.

EVEOnde histórias criam vida. Descubra agora