Capítulo IV - Sempre pague uma aposta

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Aos alunos do 7ºE

- O TikTok da professora Graça foi intrigante. - afirmou Dudinha, intrigada. - Quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio! O que isso poderia significar?

- John Cage!

- Quem, Lucas?

- John Cage! - repetiu Suzuki como se o nome em si fosse uma resposta.

Isa Maschietto não precisou ouvir duas vezes. Já estava com páginas e páginas abertas sobre o artista norte-americano. E já havia, inclusive, feito a relação entre o vídeo da professora Graça e o happening proposto por John Cage.

- Faz todo sentido! - pensou alto a garota.

- Ãh? O que vocês estão falando? - Du Duran perguntava entre uma quase gargalhada e um olhar curioso de concentração.

A essa altura, a proto-tese de Suzuki já ecoava em várias cabeças. Também depois de uma rápida pesquisa, Júlia Strefezza respondeu:

- John Cage, em 1952, propôs uma música de quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio absoluto.

- Uma música silenciosa? Eita... e qual era a intenção? - Interessava-se ainda mais Eduardo.

- É o que precisamos descobrir...

Após suas três intervenções, Lucas voltou para sua gravidade monástica de quem vive sempre à beira de descobertas revolucionárias. Sua cabeça não parava de pensar. Desde quinta-feira, dia do desaparecimento dos professores, o garoto refletia sobre as pistas que tinham até então: V.A. do Villaça, "Rapto dia 19 10h todos presentes" e TikTok mudo da professora Graça.

O cenário já caótico da pandemia transformou-se em um turbilhão com o sumiço de todos os professores do Liceu Jardim.

Na tarde daquela segunda-feira, Suzuki pesquisou ininterruptamente sobre a vida de John Cage. A informação mais relevante que encontrou sobre obra 4'33'' sugeria que a intenção do artista era convidar à reflexão sobre o significado do silêncio e da necessidade da atenção. O que o garoto não sabia ainda era como aquilo tudo, contudo, poderia se relacionar com o caso dos professores desaparecidos. Seria uma pista ou uma piada?

Já no final da noite daquele dia, Lucas viu nascer uma ideia. Humilde, discreta, mas ideia. Como não queria perder tempo, começou a executá-la de imediato.

***

- Suzuki, por que você convocou um call agora? Não poderia esperar até amanhã, 7h30? - questionava Henrique, que teve um trabalhão para convencer seus pais a deixá-lo sair no meio do jantar, sem sobremesa, para fazer uma reunião de emergência com sua turma.

Isa Fernandes argumentou que Lucas não pediria uma chamada com todo mundo se não houvesse algo de muito importante para ser dito.

- Suzuki, você descobriu alguma coisa sobre o desaparecimento dos professores? Mais alguma pista na V.A. do Villaça ou no TikTok da professora Graça? E o que a gente precisa fazer no dia 19 às 10h?

- Nada.

- Nada o quê? - Rafael Arruda perguntou com o tom de voz cirurgicamente controlado.

Na tela de cada um dos computadores que participavam daquele Meet, foi possível ver Suzuki ajeitando sua postura na cadeira e, em seguida, despreocupadamente, reposicionando o óculos.

- Efetivamente não descobri nada.

O desânimo nas expressões faciais era praticamente unânime. Apenas Isa Má seguia imaginando que Suzuki tiraria um coelho da cartola.

- E por que você reuniu a gente com tanta urgência? - Rafael mantinha a firmeza perscrutadora, mas gentil, do tom de voz.

- Bem... A obra 4'33'' a qual, talvez, a professora Graça fez referência é um monumento na transição da arte moderna para a contemporânea. Imagino que exista algo importante na proposta de John Cage-Graça e gostaria que nós, alunos do 7ºE, de câmeras abertas, agora, ficássemos esses 277 segundos, de microfones ligados, e em completo silêncio.

Seguiu-se um alvoroço histórico em que ninguém entendia ninguém. Sophia Freitas jogou-se da cadeira para o chão do quarto, Luis cogitou fechar a live, André e Gui Lourenço discutiam acaloradamente no Discord e Klein impacientava-se com a aparente falta de perspectivas da reunião. O tumulto só foi apaziguado quando Rafa Naldi pediu a palavra pelo chat.

Silêncio.

Em seguida, todos caíram na gargalhada. Imaginaram que a garota repetiria a intervenção que fizera, certa aula, ao pedir para mostrar uma coisa e, depois de abrir a câmera, aparecer fantasiada de Shrek.

Rafa Naldi não queria dizer nada, mas sabia que aquela atitude traria a paz de volta ao 7ºE. Após o sucesso de seu plano, abriu, de fato, sua câmera e disse:

- Pessoal, o que custa pra gente fazer o que o Suzuki está pedindo? São apenas quatro minutos e trinta e três segundos. Vamos ver o que acontece. Depois a gente tira nossas conclusões.

Lucas sorriu com os olhos, satisfeito em perceber que sua proposta estava muito próxima de ser aceita.

- Eu topo! - assentiu simpático Giulião.

- Eu também! - concordou Carol pontual.

Alguns minutos depois, a turma já se preparava para a dinâmica. Lucas prescreveu os passos seguintes:

- Quando eu falar já, ficaremos todos de câmera e microfones abertos. Nosso silêncio será das 22h30 às 22h34min33s.

Havia uma concentração de prova na turma. A proposta nonsense estava sendo levada a sério, como se a vida de todos dependesse daquilo.

- Lucas, dez e vinte nove! - alertava Vincenzo.

- Beleza! É agora: três, dois, um...

***

Vinte e duas horas, trinta e quatro minutos e trinta e três segundos, o interfone da casa de Henrique tocou.

O raptoWhere stories live. Discover now