Capítulo II - Pula uma linha, parágrafo, letra maiúscula

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Aos alunos do 7ºG

Àquela altura, os professores já estavam desaparecidos há 48 horas, e tudo que tinham era uma postagem feita pelo professor Villaça de uma V.A. sobre meio ambiente. A princípio, os detetives encarregados do caso imaginaram que poderia ser uma linha de investigação produtiva, no entanto, os técnicos de T.I. da polícia declararam que se tratava de uma postagem programada e teria pouca relação com os últimos eventos.

Valentina decidiu que tentaria aliviar sua tensão escrevendo. Não, produzir uma redação não era terapêutico para a garota, mas, pelo menos, faria com que o tempo passasse mais rápido. Além do mais, recentemente havia terminado a leitura de Sapiens - uma breve história da humanidade, e estava encucadíssima com o conceito de ficção e como ele poderia ser poderoso quando bem utilizado.

Com o computador ligado, começou a escrever em um documento em branco. Título: Memórias surreais do 7ºG. Centralizar, negritar. Valentina abriu um sorriso. Não sabia por onde começar. Para ela, apenas o final estava claro. Sua narrativa terminaria em uma grande festa na quadra, quase como uma cena ao estilo de High School Musical, em que os professores dançariam, em sincronia, os passinhos de Macarena, liderados por Paty, Fabi, Adriana e Jorge.

Sabia também que sua história precisava ter um núcleo de humor, em que Thales, Alex e Gabriel fossem os grandes protagonistas. Talvez eles poderiam ter uma espécie de Reality Show cujo objetivo fosse a descoberta da melhor piada ruim da história.

Valentina sorriu novamente e teve vontade de enviar suas ideias para o grupo de Whatsapp do 7ºG. No entanto, concluiu que não seria uma atitude muito sensível, já que o silêncio das mensagens sugeria uma tensão crônica e incontornável. Nem a Laura Messaninho ou a Lívia Rodrigues, famosas pelo envio constante de figurinhas dos professores, haviam se pronunciado sobre a situação em curso. Estavam assustadas e suas ausências eram presenças sentidas.

Por fim, Valentina conseguiu escrever as primeiras palavras: "Era uma vez um ano letivo que não terminou". Citou o primeiro encontro com alguns professores, descreveu os os grupinhos que se formaram dentro da turma e dedicou alguns parágrafos para criar o perfil da Foti Sensata. No entanto, sua imaginação ficou estática quando ia começar a narrar sobre o período da quarentena.

Levantou-se da mesa onde estava o computador. Foi à janela e olhou para o dia que se despedia lá fora. Voltou para o arquivo de texto e apagou tudo. Novo título: O rapto. Valentina escreveria um conto sobre o ano em que uma turma de sétima série enfrentou um grande vilão capaz de raptar um ano letivo! Lançou-se à tarefa com espírito febril. Narrou a batalha de Luna, criou as jóias do poder de Erick Li, transformou Mirella e Ana Boos em duas heroínas oitentistas.

Na narrativa, o 7ºG seria capaz de vencer qualquer coisa - inclusive o tempo.

Quando, contudo, Valentina estava próxima do fim da história, seu celular tocou. Laurita Freitas havia enviado uma mensagem.

"Valen, me ajuda! Abri a V.A. que o professor Villaça postou! Pode ser loucura da minha cabeça, mas você reparou que as primeiras palavras de cada questão formam uma frase?"

A garota minimizou a janela com o arquivo com a narrativa que estava escrevendo e correu para o Forms da atividade do professor de Ciências. Passou o olho rapidamente em cada questão, copiando a primeira palavra de cada enunciado. Ao final da última pergunta, completamente abismada, voltou para o celular, onde já aparecia uma nova mensagem em que Laurita havia reunido aquelas primeiras palavras na seguinte frase:

"Rapto dia 19 10h todos presentes". 

O raptoWhere stories live. Discover now