Capítulo V - "Não cai. Despenca!"

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Aos alunos do 7ºB

- O Henrique disse que o professor Alê Vieira pagou a aposta! - Danilo falava empolgado para Arthur Leal. - Quase 10 meses depois! Dá pra acreditar?

- Então o Sor Alê não tá mais sumido?

- Tá. Segundo o Henrique, a pessoa deixou a caixa de chocolate com o segurança do condomínio e vazou!

A manhã da terça-feira foi tumultuada. A notícia sobre o pagamento da aposta, na noite anterior, entre Henrique, do 7ºE, e o professor Alexandre correu rápido. A empolgação de primeira hora, no entanto, logo transformou-se em frustração. O caso seguia cada vez mais enigmático.

***

O 7ºB era um caldeirão. Antes da pandemia, eles tinham a capacidade de transformar o espaço físico da sala de aula naquilo que eles quisessem.

Diz a lenda, por exemplo, que uma das alunas, Heloísa Valente, tinha o poder, inclusive, de criar um alçapão, perto de sua carteira, para onde, de vez em quando, ela ia. Era uma mistura de O labirinto do fauno com O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, das Crônicas de Nárnia.

Outra história curiosa daquela sala a sui generis tem relação com a forma como as pessoas se comunicavam. Certa vez, durante o jantar, Matheus Mendes explicou para os pais como era comum as meninas protagonizarem diálogos inteiros através do olhar.

- Elas não conversam em aula? - perguntava encafifado o pai de Matheus entre uma garfada e outra.

- Não.

- Apenas se olham e se entendem?

- Isso!

- Mas você consegue decifrar o que elas... - o pai do garoto repousou o garfo na mesa para fazer um sinal de aspas com as duas mãos - dizem?

O menino ria largadamente.

- Claro que não, né, pai. São apenas olhares que elas transformam em períodos compostos com vírgula, predicados verbais, nominais e verbo-nominais, implícitos, contos, crônicas e romances. Só elas entendem!

Sem sombra de dúvidas, a sala 30 era mágica, e o 7ºB sabia disso. Nas poucas semanas de aula antes da quarentena, quanticamente ela foi transformada em todos os lugares do mundo ao mesmo tempo - em todos os tempos.

***

Sem a sala, longe da escola, a turma desidratou. As crianças tornaram-se apenas vozes algorítmicas. Théo Meloni, famoso pelos tons graves, fazia menos piadas. Lívia Rossatinho perdeu o sorriso fácil. O clã Trevelin dispersou-se. Mesmo Gustavo Vincius parecia mais tímido, reservado, cabisbaixo, menos Gustavo. A cola-mítica-sala-de-aula desapareceu e levou junto a alma do 7ºB.

***

Depois do fim das lives do dia, Igor Issao vagava pela casa como um fantasma de Among Us. Parecia querer encontrar algo que teimava em se esconder cada vez mais!

- O que foi, filho? - perguntava sua mãe, preocupada com o menino.

- Essa história dos professores, mãe. Pra onde eles foram?

Dona Issao não tinha mais o que responder. Desde quinta-feira, já havia usado todos os recursos para confortar seu filho. Entendia o episódio do rapto dos professores quase de modo metafísico. Haviam raptado a essência do ano letivo - o giz, a lousa, a sala e, agora, os professores. Era como se a escola nunca tivesse existido. Ficou em silêncio.

O menino seguiu para o quarto.

Já deitado na cama, colocou os fones de ouvido e ligou seu streaming de música no shuffle - para dormir. Foi então que ouviu os primeiros versos de uma música: Eu te desejo não parar tão cedo, / pois toda idade tem prazer e medo.

Os olhos de Igor arregalaram-se. Levantou-se de um pulo. Ouviu a música inteira bastante emotivo. Em seguida, correu para o grupo de Whatsapp da turma e enviou um áudio:

"Ei, galera, eu não sei exatamente o que cada um de vocês está fazendo agora, mas eu tenho uma novidade! Acabei de receber uma mensagem da professora Marisol!"

O raptoWhere stories live. Discover now