As semanas passaram, três para ser mais preciso, depois da ida à creche. Prometi que voltaria quando pudesse, estou pensando naquele passeio daquela terça, Mylle encheu a minha cabeça dizendo que o "galã" quer conhecer-me, o que não faz nenhuma relação. Há uma parte de mim que acredita no que ela passou os dias dizendo até porque decidi seguir em frente, a outra acha que isso é uma completa bobagem. Por fim admito que uma parte de mim deseja caminhar novamente, mesmo que seja uma andada silenciosa. Descrevendo durante todo o tempo, desde o jantar. Alto, magro, porém com um corpo bem cuidado, disse assim minha irmã: Cabelos longos acima de seus ombros, semblante fechado, maxilar bem desenhado, lábios chamativos, traços fiéis de sua descendência oriental e três pintas que não dá para deixar de notar próximo ao olho esquerdo que lembra bastante a uma parte da constelação do signo de câncer. Confio que fiz a melhor versão de Johnny em minha imaginação. Sei que ela pode está fazendo a minha cabeça para que eu siga em frente, mas nem sei se esse pensamento é mútuo.
Estava me sentindo feliz por poder ir visitar as crianças. Mas não fui, pelo motivo de Mylle que encontrava-se à minha espera com seu carro na porta do local dizendo que precisaria fazer compras, pois a despensa de sua casa está vazia, questiona ela que tinha comida para três meses.
Queria poder ter ido à creche, mas o que eu fiz foi entrar no carro com um mínimo sorriso nos lábios.
— O que deseja para seu aniversário de trinta anos, Becky? — Pergunta ela aleatoriamente sabendo que meu aniversário está perto o bastante para já está sendo planejado. Tirando-me assim de meus pensamentos.
— Não quero uma festa Emmylle, e nem pense em fazer uma festa surpresa. — Pronunciei seriamente.
O problema de ter uma festa é não poder ver o que minha irmã organizou para mim. Ano passado foi constrangedor o bastante para que esse ano eu não queira uma. Sei também que ela fica agitada por conta do meu aniversário, pois é o único dia que ela consegue comemorar o dela.
E quem eu chamaria, os vizinhos que mal conheço?
As crianças da creche mais os pais?
Não foi dessa maneira que eu imaginei a minha "festa" de trinta anos. Só pensava em balada, encher a cara de álcool e depois, já em casa, transar com Dylan durante boa parte da noite para terminar de comemorar. Não tinha noção que muitas coisas mudariam.
— Não será uma festa surpresa, posso garantir! Vamos, eu quero poder fazer algo para você. — Mylle tinha essa leve mania de insistência, não mudaria de ideia. Ela insistirá até eu dizer sim, o que era um pouco chato algumas vezes.
Já sabia que não teria escapatória, tendo a noção que de um jeito ou de outro ela faria a tão pensada festa acabei concordando, dando-me como fracassada nesse jogo.
— O que pretende fazer? — Escuto um gritinho de felicidade vim dela.
Afinal quem será a anfitriã da festa, ela ou eu?
Não tinha resposta para essa pergunta, mas era apenas escutar a euforia de Mylle que pude ter uma certa conclusão de que a festa era para nós duas como sempre foi depois do nascimento dela e certamente para quebrar o clima depressivo que existe entre nós. Uma maneira de agitar as coisas.
— Então, estava pensando em uma balada em casa. Sem decoração, mas com bebidas, DJ, uma mesa que você pode se servir e atrações especiais. — Sinto que ela iria aprontar alguma com relação às atrações.
— Sem atrações especiais Emmylle. Eu juro, se alguma coisa diferente acontecer saio da festa e vou andando sem rumo pela rua.
— Está bem! — Ela diz em um ar de decepção, pude imaginá-la revirando os olhos. — Faz tempo que não se interessa por ninguém, sai com algum de seus amigos, beija na boca. — E o ênfase se encontra presente em sua frase. — Você parece tão só depois do término com Dylan e isso me preocupa.
— Não deveria te preocupar. — Respiro fundo tendo o silêncio do carro ao meu favor, de uma certa maneira eu não precisava de mais pessoas. — Eu tenho você, é isso que importa. Também sei que ninguém gostaria de ficar com alguém como eu, uma mulher inválida. Não quero que fiquem comigo por pena.
— Você está generalizando Rebecca. E aquele rapaz?
— Quem?
— O professor da creche. — Em um tom simples ela responde.
— Não! — Gargalhei tendo a certeza que isso jamais acontecerá. — Você acha que ele perderia o tempo dele gostando de mim? Você deve está imaginando coisas. Se tivesse conhecido a Rebecca antiga, talvez... — Deixo o restante da fala ao vento propositalmente.
Ela fica quieta durante o restante do caminho. O carro para, o motor é desligado e a única coisa que ela diz é um "chegamos". Irritada por eu ter dito que o rapaz não perderia seu tempo comigo? Não sei. Apesar disso eu tinha certeza que ela somente deseja o meu bem e minha felicidade. Uma maneira para não ficar isolada em meu quarto revivendo a minha história com o Dylan.
Tem uma porção de coisas que odeio, uma delas é ir ao mercado. Afinal de contas é o lugar em que você está propícia a encontrar pessoas que não deseja encontrar, ou outras que são tão queridas que acabam atrasando você para seu próximo compromisso. Um ambiente que temos que esbarrar sempre com as mesmas pessoas, porém em seções distintas.
Mylle ajuda-me a sair do carro, mesmo sabendo que eu sei sair sozinha. Ajeitei minha roupa e coloquei minha mão em seu ombro.
— Se eu fizer a festa e as pessoas usarem vendas? — Ela parece bem contente com a ideia.
— Emmylle, você tem a mente muito fértil. Nem pensar, apenas a balada e a comida está ótimo, nada de exagerar. — Pedi ouvindo ela respirando fundo com o que eu disse.
— Está bem! — Em um ar de decepção entramos no supermercado.
Com a ilusão que eu formava em minha cabeça podia imaginar corredores à nossa frente, o local é grande, não tão movimentado quanto mercados pequenos. Ouvia algumas crianças brincando deixando o ambiente estressante um pouco mais alegre, Mylle descreve um casal jovem que nos encarou ao entrarmos no primeiro corredor empurrando um carrinho de compras.
Em minha mente tudo era tão igual a anos atrás, a mistura de aromas, o friozinho que o ambiente possuía, as pessoas conversando no corredor sem se preocupar com a hora e crianças. As quais vieram com seus pais, correndo sorridentes entre os corredores do enorme mercado.
Todas aquelas lembranças do ambiente faziam-me lembrar de uma pessoa que ainda não consigo esquecer, eu sei que faz meses que não estamos juntos, tenho a noção também que ele está hoje casado com outra mulher que espera um filho dele. Tive a infeliz honra de ser convidada para o casamento por sua atual esposa. — Sim, foi por pena que ela me convidou. — Minha irmã pediu para que eu não fosse, mas eu como sou teimosa fui mesmo sabendo que seria doloroso para mim. Precisaria ir e perceber que ao contrário de mim ele seguiu em frente. No entanto, o local que estou fez-me lembrar da primeira vez que o vi. Não sabia que depois de tantos anos eu ainda lembraria daquele dia. A nossa pequena discussão no corredor por causa do último pacote de biscoito. E lá estávamos nós, dois adultos, eu atrasada para ir trabalhar e ele, com cara de sono. Ambos na maior troca de farpas por conta de um pacote. Percebo que minha vida era uma loucura a partir do momento que eu parei, eu levava muito tempo no trabalho, não me preocupava com a minha saúde e nem tinha tempo para isso.
— Rebecca?!
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Cinzas de um diário
RomanceRebecca Covinsky adaptou-se a mudança radical de sua vida ao ter a notícia mais triste que causou o afastamento tanto no relacionamento, quanto em sua interação social. Pessoas que diziam ser seus amigos e seu noivo desapareceram com o tempo. Tendo...