Capítulo 03

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ALICE

Receber a ligação de Paulo avisando que não dormiria em casa, foi como colocar o último prego no caixão. Saber que em plena sexta-feira, ele optou por dormir distante de nós é doloroso, mas imaginar que nesse momento ele possa estar em farra, com mulheres, faz com que eu tenha vontade de desistir de vez de lutar sozinha, de lutar por algo que acho que Paulo sequer tem ainda qualquer interesse.

Não que em minha cabeça eu imagine traição, puladas de cercas. Isso até esse momento sequer ventilei, mas o fato de mesmo pudendo vir para casa, ele optar por distância, quem saber cogitar possibilidades, isso certamente leva-me a crer que sua postura mudou, pois mesmo diante de todo o cansaço ou da rotina que nos sufocava há anos, jamais ficamos afastados, mesmo que o espaço e a distância entre nós fosse intransponível, jamais ficamos em casas separadas, principalmente em uma sexta à noite. Essa atitude de Paulo diz muito sobre o que esperar daqui para frente, pois, mesmo não gostando de suposições, aparentemente meu esposo cansou de tentar, de insistir.

Mesmo desanimada e com a certeza do fim gritando em meu íntimo, sigo para a sala de jantar, onde tentarei não passar para meus filhos todo o drama em que estou envolvida.


Tudo parece igual. Lis brincando com a comida, sujando-se de alimento, como qualquer criança de 6 anos faria e Lucas como um bom irmão mais velho, implicando de todas as formas possíveis com minha caçula. Tento não alterar esta interação, tento de todas as formas evitar perguntas que jamais saberia as respostas.

Como meu anjo da guarda parece de férias, temporárias ou permanentes, escuto de meu filho a pergunta que mais temia ouvir, escuto a indagação que não tenho qualquer resposta para fornecer.

- Mamãe por que papai não está aqui? Ele não vai jantar com a gente?

Logo Lis levanta a cabeça e diz:

- Mamãe meu pai não tá com fome? Onde ele está?

Mesmo não querendo mentir, jamais posso dizer para meus filhos, que Paulo simplesmente não quis ficar conosco. Em nome de tudo que já fomos um parar o outro, tenho que garantir que o amor de pai e filhos jamais será afetado por nossa incapacidade de fazer o casamento funcionar.

- O papai terá um compromisso de trabalho, por isso não virá para casa hoje! Amanhã ele estará aqui e vocês matam toda a saudade dele.

- Amanhã? Ele não vai dormir aqui hoje?

Lucas, por já ter uma idade que compreende melhor as coisas, lança esse questionamento. Peço a Deus força para não demonstrar o quanto estou abalada com esse diálogo.

- Não, meu amor! Como vai terminar tarde, seu pai ficará no apartamento, para não ter que dirigir à noite.

Tenho ciência que mentir sempre é o pior caminho, mas jamais colocarei caraminholas na cabeça das crianças. Enquanto a nossa situação não for discutida, não preocuparei nossos filhos.

Logo as crianças parecem esquecer o tema e começam uma discussão entre eles. Até mesmo essa briga parece música aos meus ouvidos, em comparação a conversa incomoda sobre a ausência de Paulo.


Depois de toda a rotina noturna de banho das crianças, leitura na cama e a minha própria higiene pessoal, estou pronta para dormir. Rio comigo mesma, da minha inocência em pensar que pregarei o olho.

Sei que não tê-lo a meu lado na cama, depois de anos de casados, e saber que sua ausência se dar por opção, maltrata-me, sufoca-me.

Logo agora que tinha tomado a decisão de conversar, agora que realmente decidi tentar lutar pelo nosso casamento, percebi que não posso fazê-lo sozinha. O querer estar em outro canto, simbolicamente numa sexta-feira, sem ter a necessidade de verbalizar, justificar, apenas avisar que não virá para casa, infelizmente caiu como um balde de água fria em minhas intenções, agiu como uma bomba relógio sobre as expectativas que tinha de fazer funcionar.

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⏰ Última atualização: Dec 10, 2020 ⏰

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