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Ray e eu nos mantemos totalmente paralisados, como duas estátuas de mármore branco polido; nem sequer respiramos ou piscamos. Com a falta do meu olfato não poderei identificar o nosso visitante o que torna tudo um eufemismo, nós é que somos os invasores aqui, não culparia quem quer que seja se nos estraçalhar agora. Sem poder utilizar o olfato, fecho os olhos e concentro meu outro sentido: audição; o vendo sobrando para o norte, as folhas das árvores balançando, os sons de pequenos animais pela floresta e… galhos quebrando quase que silenciosamente, respiração ofegante, rosnado abafado.

"— É um lobo, senti seu cheiro assim que começou a nos seguir. Podemos lidar com isso da maneira rápida."

Abro os olhos abruptamente quando percebo as intenções do meu irmão. Antes que ele se mova para pular na direção que o lobo está eu o detenho pulando de frente para ele, o estrondo dos nossos corpos se chocando faz o lobo surgir se colocando na minha frente, ele parece… querer me proteger. Um lobo branco, pelo seu porte sei que é um macho. Um provável ômega sem alcateia.

— Você está louca? — Ray mostra suas presas se colocando em posição de ataque — Jamais se coloque na minha frente quando estou para atacar.

— Você ia ferir um animal indefeso, Rayleigh, onde foram parar os seus princípios? — rosno igualmente com minhas presas para fora, o lobo parece querer pular no pescoço do meu irmão a qualquer momento.

— Meus princípios se foram ao momento em que percebi que minha irmã não estava em segurança — ele se joga sentado no chão com às duas mãos na cabeça. O lobo acompanha os meus passos até meu irmão, me ajoelho ao seu lado e ele levanta sua cabeça para me encarar e depois olha feio para o lobo como se estivesse repreendendo um animal de estimação.

— Está tudo bem, Ray. Vamos, temos que contin… — ele me interrompe levantando a mão para mim sem tirar os olhos do animal ao meu lado.

"— Tem alguma coisa errada com esse lobo."

Viro para encarar os grandes olhos azuis do lobo e ele me encara de volta, Ray tem razão. Seus olhos… mostram uma intensidade e  inteligência, não são como olhos de animais. Acho que nem mesmo eu tenho olhos assim. Mas é claro que eu não tenho, seu olhar é puro, o meu é cheio de dor. Levanto do chão e volto para o meu cavalo, mas para a nossa sorte eles fugiram. Provavelmente assustados com nossa pequena discussão de gêmeos - vampiros - demônios - sugadores de sangue.

— Mas que maravilha, estamos sem os cavalos — Ray ri enquanto eu o amaldiçoo por isso.

— Não é como se precisássemos deles, Áurea — meu irmão começa caminhar tranquilamente pela floresta como se estivesse caminhando pelas prateleiras da nossa biblioteca.

— Mas… foi você que disse que precisávamos deles para não levantarmos suspeitas — enquanto eu o sigo ele me lança um olhar gélido.

— Tarde demais, irmã — murmura voltando a prestar atenção no caminho, o lobo ainda está nos seguindo e não sei se devo me preocupar — Essa coisa gosta de você.

O rosnado baixo do animal soa como um aviso para Ray. O que me faz rir.

— Não é uma coisa, é um lobo, diga a palavra certa — me aproximo do animal para fazer carinho em seus pelos brancos e macios.

— Certo, me perdoe… — Rayleigh olha de canto para nós — Cachorro.

Reviro os olhos pelo seu comportamento infantil. Mas o que esperar do meu irmão?
De repente um cheiro me faz cravar os pés na terra, respiro fundo sentindo o cheiro de medo misturado com o de Zerek, sinto minhas pupilas dilatando, minhas presas e garras crescendo, antes que meu irmão possa me acompanhar, estou correndo a toda velocidade na direção do cheiro de Zerek.

"— Você é tão burra quanto uma porta." — Ray aparece correndo do meu lado direito e me surpreendo ao ver o lobo me alcançando do meu lado esquerdo "— Quer saber, eu desisto, você venceu, estamos fazendo completamente o oposto do que deveríamos... e sabe o que era? Deveríamos ser DISCRETOS. Mas sem problemas não é mesmo? Afinal no fim do dia vai ser o meu nome gravado em uma lápide quando nosso pai descobrir toda essa merda, isso é... se sairmos vivos dessa."

Rayleigh tagarela como um bebê chorão, paramos de correr quando o rastro de Zerek sumiu pelo ar, olho em volta a sua procura, mas não o vejo em lugar nenhum, só tem árvores e mais árvores. Sinto o desespero tomar conta de mim, era para ele estar aqui, tenho certeza disso. Não tem como ele ter sumido assim do nada.

— Zerek — grito chamando por ele, caminho em círculos tentando sentir o seu cheiro, mas há nada — Zerek, por favor apareça.

— Ela quer que a gente morra, cachorro — Ray murmura para o lobo que rosna e depois coloca a cabeça de lado — Sim, isso mesmo. Ela é teimosa.

— Áurea — um resmungo dolorido surge em cima das nossas cabeças e então tenho a visão de Zerek encolhido nos galhos da árvore, tem sangue escorrendo pelo tronco dela.

Pulo para os galhos à cima até chegar no meu... amigo. Zerek está prestes a desmaiar e seguro seu corpo contra o meu, está tão gelado. O que você fez, Zerek? Afundo meu rosto em seu pescoço enquanto passo meus braços em volta dele. Com um impulso consigo pular diretamente para o chão. Apoio Zerek no tronco da árvore para que meu irmão possa examinar ele corretamente. Depois Ray começa a cuidar de suas feridas pelo corpo, todas feitas com madeira, provavelmente ele mesmo tenha se machucado em busca de controle.

— Não podemos voltar com ele assim — digo aflita pelo seu estado, meu irmão balança a cabeça concordando e tira duas pequenas garrafas de sangue de sua bolsa.

— Aqui, beba. Dê a outra para ele, é de animal — abro os lábios de Zerek enquanto apoio sua cabeça de uma maneira que não vá fazê-lo se engasgar. Lentamente viro o líquido para que ele recupere suas forças. Começo a beber da garrafa que Ray me deu quanto percebo que ele não está se alimentando, ele segura as mãos com força, quebrando seus dedos várias e várias vezes.

— Você não tem que ficar com fome por minha causa — resmungo jogando a garrafa em seu colo — Bebi metade, isso já vai bastar para nos manter por mais uns dois dias até.

Ray me olha como se quisesse ter certeza de minhas palavras e bebe o resto do sangue contido na garrafa. Ouço os resmungos de Zerek e logo seu olho se abre lentamente. Um pequeno sorriso surge em seus lábios quando me vê, levo a mão para sua bochecha e ele se inclina em minha direção em busca de mais contato.

— Eu senti sua falta — sussurra quando fecha o olho novamente — Senti tanto que chega a doer.

— Eu também, Zerek, eu também — me aconchego ao seu lado enquanto Ray se levanta dizendo que vai olhar os perímetros para ter certeza que estamos seguros até Zerek se recuperar. O lobo por incrível que pareça, segue meu irmão.

— Por que não podemos simplesmente voltar para o castelo? — Zerek me pergunta intrigado e desço o olhar para os seus ferimentos.

— O cheiro do seu sangue pode atrair coisas pelo caminho e até mesmo para o castelo — ele balança a cabeça se entregando ao cansaço começando a dormir.

Blood (Sangue)Onde histórias criam vida. Descubra agora