VII

1 0 0
                                    

Francisco sorri quando escuta a segurança que o Figa sente em relação ao destino. Pode que trinta anos não seja considerado muito tempo para alguns, mas para o cearense, esse tempo serviu para aprender que ninguém sabe realmente quais vão ser as voltas da vida e que é melhor estar pronto para quando tudo der errado.

- É bom te ter de amigo então. Posso? - disse Francisco apontando para o pão em cima da mesa e depois para o molho ainda cozinhando na panela.

- Claro pode sim, não disse que era o melhor do mundo?

- E é mesmo.

Figa sorri satisfeito e Francisco ligeiro percebe o gesto no rosto do bandido como um sinal de que tudo estava indo bem, a moeda parece realmente ser da sorte.

- Eu gostei de você Chico, sabe quando abrir a boca e sabe o que falar. Você parece ser bem forte também. Você vai vir comigo então, já viajou de avião?

- Nunca nem vi um de perto.

- Tem medo de altura?

- Não.

- Então não vai ter problema, é rapidinho, vamos até a fronteira lá com a Bolívia e voltamos.

- Tranquilo.

Francisco molhava o pão uma terceira vez no molho enquanto escutava Figa, quando nota que tanto ele como o garoto que estava na cozinha olham para cima. Ele tenta olhar também mas não acha nada de interessante. É um simples teto de cozinha branco de uma cantina velha. Ele estranha como os olhos dos dois se movem de lado a lado como se estivessem lendo ou analisando alguma coisa.

- Figa? Seu Giovenco?

- A moeda.

- O quê?

O baixinho e o garoto deixam de olhar para o teto e fixam sua atenção em Francisco que não entende nada, sua cabeça ainda não conectou A com B ou perigo com a necessidade de correr.

- A moeda Francisco! Me dá a moeda!

- Que moeda?

- A que você tem no bolso!

Francisco finalmente entende e olha para o relógio em seu pulso. Uma hora e alguns segundos tinham se passado desde o momento que o velho apareceu na porta do seu apartamento e agora as palavras ditas por ele soavam em sua cabeça como um mau augúrio.

"...em uma hora vou contar pra esse Brasil inteiro o que acabo de te dar. E em duas semanas quem me devolver essa mesma moeda vai receber toda minha gigantesca fortuna, se transformando no homem mais rico do mundo...."

Como você sabe?

- Deus, Francisco... Foi Deus que me disse. Um anjo desceu lá do céu e falou baixinho no meu ouvido. Agora me dá logo essa moeda Francisco, bora!

Figa coloca a mão para trás da cintura tirando seu revólver prateado, enquanto Francisco ao mesmo tempo tira a moeda do bolso segurando ela firme com sua mão direita, estranhando os gritos que se escutam do lado de fora da cozinha. Francisco com cuidado, mostra a moeda para o jovem bandido que sorri perdido no que parece um misterioso transe.

- Muito bem Francisco, muito bem.

- Não! Ela é minha! - grita o jovem cozinheiro com uma coragem que antes parecia completamente inexistente.

O garoto que antes tinha sido completamente ignorado pelos dois homens, agora corre em direção a Francisco que surpreso dá um pulo para trás, no mesmo exato instante em que o Figa sem hesitar, aponta seu revólver e dispara uma só vez, acertando em cheio na cabeça do garoto, que explode lançando sangue pelas paredes e cobrindo boa parte de Francisco com uma cor vermelho intenso.

- Meu Deus Figa! Que merda é essa?!

- A moeda Francisco!

Francisco limpa o sangue do garoto de seu rosto e tentando recompor um pouco da calma, se aproxima devagar, para satisfação do Figa, que começa a sorrir. O cearense pensa em uma saída, porque se todos realmente sabem sobre a moeda, quer dizer que o prêmio também é verdade e ele tem uma chance real de ser o homem mais rico do mundo.

Ainda pensando no que fazer, Francisco está quase entregando a moeda, quando a porta da cozinha se abre violentamente com o corpo do velho Cenoura coberto de sangue, seguido dos dois capangas dos Giovenco que entram também armados.

- Cadê a moeda?! - gritavam os dois ao mesmo tempo.

- Ela é minha! - responde o Figa aos gritos enquanto dispara contra os homens que se agacham, os tiros acertando a parede ao lado da porta.

Francisco aproveita o momento e empurra a panela com molho quente em Luca que grita assustado com a dor.

Os capangas tomados por um desejo imparável de possuir a moeda não duvidaram em trair seu chefe e atiraram também, Francisco, que tentava achar proteção embaixo da mesa no centro da cozinha, pretendia se aproximar o mais rápido possível das portas dos fundos.

Um dos tiros termina acertando Figa no ombro, fazendo ele cair no chão e ao ver Francisco tentando fugir, estica o braço manchado de sangue tentando segurar sua perna.

- A moeda Francisco!

Chico chuta o mafioso no rosto e encontrando um saco de farinha ao seu lado, joga ela contra os homens que por reflexo atiram e espalham seu conteúdo por toda a cozinha.

Francisco aproveita a distração e corre o mais rápido que pode, coberto de farinha e sangue em direção a porta, escapando por pouco dos tiros aleatórios dos mafiosos.

Ele corre pelas ruas da cidade, entrando em becos sujos, tentando limpar o rosto, enquanto cada pessoa com quem se cruza grita a mesma coisa, os olhos tomados por uma mistura de violência, raiva e ambição.

- A moeda!

Aos trancos, chutes, socos e barrancos, Francisco continua conseguindo escapar, mas sente como o corpo começa a ficar cansado. Parece que a cidade de São Paulo inteira está em sua procura, então onde deveria ir? Onde poderia se esconder?

Voltar para o apartamento não era uma opção, mas lá se encontrava tudo o que ele tinha e que seria útil para continuar fugindo.

- Aquele maldito... - amaldiçoava ao mesmo tempo que agradecia o velho pela melhor oferta e pelo pior presente que recebeu na vida.

Percorreu mais três quarteirões com desespero e pressa até se encontrar em um beco que parecia estar vazio. Lá conseguiu se esconder, sentado atrás de uma lata de lixo, recuperando um pouco de energia, enquanto respirava ofegante até notar que ainda segurava firme a moeda em sua mão direita.

Francisco a traz para perto de si. Tentando encontrar nela alguma pista sobre onde deveria ir. Mas só encontra de um lado, uma estranha frase que não entende e do outro lado o desenho detalhado e bonito de um simples tatu que o faz, pelo menos por um instante, não conseguir conter um breve sorriso.

Lembrou de sua infância, de seus pais, de seu irmão mais novo que quando pequeno não sabia falar Chico, criando assim o apelido íntimo de Tico e da vida simples e humilde no Ceará, muitos anos antes de vir para a cidade grande.

Lembrou de como, quando chegava a noite na fazenda em que trabalhava e vivia com a família, brincava com seu irmão assustando os pobres bichinhos para ver como pulavam e fugiam em velocidade.

Ficou com saudades do Josias, lembrava de como eram unidos e de como nunca conseguiu confiar em ninguém depois que ele morreu.

Ele fechou os olhos e se deitou escondido atrás da lata de lixo, uma lágrima teimosa escapando sozinha de seus olhos enquanto lembranças do passado invadiam sua mente e o distraiam dos perigos do presente.

- Tico...

- Josias?

- Abre os olhos, Tico. Acorda.

E Francisco acordou. E não sabia onde estava. Mas era uma festa.

A MoedaOnde histórias criam vida. Descubra agora