Le cadavre et le vampire

79 4 0
                                    

Foi naquele dia sem data, cheio de névoas como em qualquer sonho, que vi o meu primeiro cadáver. Azulado, talvez meio acinzentado, vestindo um uniforme nada realístico para o mundo em que vivo, ali estava o cadáver de uma menina bonita de olhos esbranquiçados e sem pupilas. Ela estava toda torta, desmontada na grade do prédio ao lado do meu (o prédio ao lado do meu não tem grade), a saia xadrez marrom-avermelhada já curta sendo repuxada por uma das barras ao ponto de mostrar um pouco da sua calcinha de renda branca. A blusa formal, amassada de um jeito que pudesse formar duas pontas para amarrá-las acima do umbigo, havia caído para deixar as curvas dos seios salientes da morta bem chamativas. Talvez eu estivesse passando tempo demais lendo fanfics sapatão no Wattpad...

Medo, sim – o medo!, ah, o medo, porque eu posso até assistir à todos os filmes de terror que existem no mundo – nada me prepararia para encontrar o meu primeiro cadáver. Não foi o mesmo que ver o corpo embalsamado do pai da minha amiga no funeral dele no segundo ano do ensino médio. Não tinha aquele cheiro que o corpo da menina gostosa, mas morta, exalava empalado ali na grade do prédio ao lado do meu enquanto eu descia a quadra (naquele dia sem data cheio de névoas como em qualquer outro sonho) indo para casa.

Puta merda, pensei, porque não houve dúvidas na minha cabeça, nem por um minuto, que aquela menina estava completamente morta. Não tinha sangue, ela parecia uma personagem zumbi de um hentai que eu veria no Tumblr na época que era permitido postar pornografia no Tumblr. O que eu faço agora? Chamo a polícia, provavelmente. Vou embora e finjo que nada aconteceu?!

Virei de costas, com o gosto amargo do medo na boca e um frio terrível na barriga, e foi quando vi três... seres.... vamos dizer assim... Isso, três seres andando em minha direção. O medo subiu até o meio dos meus olhos quando percebi que eles tinham a mesma cor azul-acinzentada da menina morta, talvez até um pouco mais perto de algo vindo de um desenho animado. Não prestei muita atenção nos dois mais de trás, mas lembro bem da criatura que falou comigo.

"Você é a Henrietta, né?", sibilou aquela monstrenga.

Ela era bonita, porém. Quanto mais se aproximava, mais eu percebia que parecia um desenho, talvez uma pintura de algum dos artistas que eu seguia no Instagram. Ela tinha curtos cabelos pretos, volumosos mas em corte chanel com uma franja à lá Amélie Poulain. Eu nunca consegui terminar de ver esse filme. Seus olhos eram grandes, mas, assim, como o cadáver, ela não tinha pupilas, apenas uma vista esbranquiçada. Seus lábios azulados e definidos em formato de coração abriram um sorriso malévolo, exibindo presas delicadas – caninos levemente maiores do que o comum.

Puta merda, eu vou morrer. Esses vampiros mataram aquela menina e agora vão me matar também.

O medo era real pra caralho. Meu corpo inteiro tremeu. Ela me fez uma pergunta, era melhor eu responder, certo? Caramba, ela era gata... Talvez ela quisesse me transformar! E se eu ficasse... azul como eles? Eu não queria ficar azul!

Antes azul do que morta.

Responda a droga da pergunta, Henrietta.

"Ahn, não, eu sou a Roberta Maciel."

Meu corpo chacoalhou novamente.

Foi aí que o sonho perdeu força e eu acordei por completo. Abri os olhos, suando, e fixei o olhar no teto. Óbvio que, mesmo em uma situação de vida ou morte, eu daria meu codinome de balada para a menina gata que chegou em mim e provavelmente gostaria de drenar o meu sangue.

Pelo menos nos sonhos alguém chegava em mim...

-

A didática do exercício: Tranche de Vie é um termo que descreve o uso do realismo mundano que representa experiências cotidianas em arte e entretenimento. Conduzir uma narrativa a partir desse tema. Não sei se eu fiz muito bem, mas foi o que me veio na hora e eu tava atrasada!

Vão Sentir Minha FaltaOnde histórias criam vida. Descubra agora