Havia na mão da velha um rato enorme, deformado, enquanto ela recitava palavras em uma língua desconhecida. Se eu tivesse que chutar, diria que era latim, mas não parecia muito. Talvez ela só estivesse inventando alguma coisa para me impressionar e não me fazer achar que estava gastando meu dinheiro à toa. Quando terminou, a velha fixou os olhos em mim e não disse uma palavra. Abri um sorriso tímido, desconfortável, e pigarreei antes de falar a primeira coisa que me passou pela cabeça:
"O que você fez com esse rato, hein? Pra ele ficar desse jeito?"
Ela estreitou os olhos, julgando-me, e pôs o bicho no chão.
"É um quati", respondeu duramente.
"Ah", murmurei, envergonhado. "Claro, claro, eu sabia, só estava...", perdi o rumo das palavras. "Ahn... brincando."
A velha jogou o último ingrediente no pequeno caldeirão de ferro que nos separava, depois misturou a gororoba com as próprias mãos e lançou-me mais um olhar significativo.
"Está pronto", anunciou. "Agora deve tomar uma colher de chá da poção durante três dias na próxima lua crescente e fazer com que o seu chefe tome também. Se não for exatamente dessa forma, vai dar errado. Está me entendendo?"
Fiz que sim lentamente. Agora, como faria o meu chefe tomar essa nojeira sem suspeitar que eu estava tentando enfeitiçá-lo, isso era um mistério.
"Entende também que tudo o que faz volta três vezes mais forte, não?", a velhota continuou. "É a lei tríplice."
"Ah, sim, claro", respondi, mas não tinha prestado muita atenção nessa parte.
"Repita comigo", a velha pediu, abrindo um dos livros empoeirados que havia depositado na mesa à sua frente. "Trace o Círculo por três para os maus espíritos exorcizar, e, para o feitiço, é preciso ver o fogo se desenrolar. Tudo o que eu fizer por agora, farei-o ao rimar."
Repeti as palavras sem sentido três vezes até a bruxa (ou seja lá o que aquela mulher bizarra fosse) se sentir satisfeita. Ela pôs a poção em uma cumbuca de plástico, tapou-a com plástico-filme e entregou-me.
"Aqui está", a bruxa finalizou. Nem mesmo aí ela me ofereceu um sorriso. "Agora o pagamento".
"Ah, é", murmurei, então tirei o maço de dinheiro da pochete e dei a ela.
As unhas longas da velha contaram cada cédula, e aí sim ela sorriu.
"Foi um prazer", ela disse. "Agora vá, porque tenho outro cliente. Vá, vá!", e me enxotou como se eu fosse um pombo sujo.
Assim que entrei no carro, conectei o celular no bluetooth e liguei para minha irmã.
"Conseguiu?", sua voz abafada soou pelos speakers.
"Sim, mas eu fiquei com vontade de te matar", quase rosnei.
Clarissa riu.
"Por quê? O que eu fiz?"
"Não acredito que me convenceu a pagar uma velha caloteira pra misturar um bando de grama numa panela e me dar como se fosse uma poção mágica!"
Clarissa riu mais ainda.
"Ela não é caloteira, Jonas, já te disse mil vezes que eu sempre vou a ela quando preciso de alguma coisa. A Barbados é bruxona de verdade, cara!"
Revirei os olhos.
"Espero que funcione, senão eu vou te matar de verdade!"
"Vai funcionar, é só seguir direitinho as instruções. Você quer pregar uma peça no idiota do seu chefe, não é?"
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Vão Sentir Minha Falta
ContoColetânea de minicontos, contos, textos e crônicas produzidos por mim para a faculdade no segundo semestre de 2020.