Capítulo 1 - Só um menino

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Expremidos em um colchão muxoxo João dormia com seus dois irmãos menores: Júlio e Jéssica. A madrugada não foi fácil não meus caros leitores, e a coberta tão fina não espantava o frio que entrava por baixo da porta daquele cômodo que era sala/cozinha/quarto. Percebendo que sua irmãzinha de seis meses tremia de frio João mais que rapidamente a envolveu em seus braços tentando mantê-la aquecida pelo calor de seu corpo raquidico e descuidado. Júlio que dormia encostado na parede falava coisa desconexas se debatendo com certa agressividade que acabou acertando um de seus golpes na cabeça de João o fazendo reclamar. No sofá perto, um menino mais velho assistia aquela cena e sem pensar cobriu seus irmãos menores com o pedaço de coberta que lhe correspondia, sentou perto de Júlio o acalmando de seus pesares dormindo ali mesmo sentado. Sim uma cena de gerar comoção, mas a vida não é justa. Posso até acresentar aqui meu amigo leitor, que por pouco essa turma não foi dormir com a barriga vazia, o dinheiro que haviam ganhado pedindo esmola tinha dado pra comprar leite e pão. A pequena Jéssica ainda mamava e reduziram a quantidade de leite dela pra que todos pudessem tomar.

Quando o dia raiou, a vó tão debilitada se levantou com dificuldade e caminhou até a cozinha. O som do arrastar de seus chinelos fez com que os mais velhos acordassem:

- Jorge corre da vendinha do seu Osmar e peça pra ele um leite e um fubá. - o menino esperançoso aguardou a vó lhe dar trocados todavia a senhorinha o olhou com escárnio retrucando a espera:

-É no fiado,diga a eles que pagaremos no final do dia.

João permaneceu quieto, observando a carranca da velha que difícilmente sorria. Já fazia um bom tempo que ele não via a mãe de fato que nem se lembrava mais de suas feições, Júlio que era mais apegado a ela até parou de perguntar por ela pois era sempre a mesma resposta:

-Sua mãe prefere o vício a vocês.

"Quem era esse tal de vício?" -  caraminhovala essas pergunta na mente de João. Foi quando a pequena acordou sua fralda gasta pelas micções noturnas e então a senhora rabugenta a pegou em seus braços para trocar a fralda e a menina começou a berrar:

-Alguém cala essa menina. Preciso dormir. A voz feminina saia do cômodo mais fundo, era tia de João e mãe do menino Hélio. A vó cuspia palavras frívolas num tom inaudível - eu quieta dava graças por meu pequeno não ouvir ou entender o que aquilo significava. Já estava tudo tão miserável, aquelas palavras me deixariam mais frias e eu nunca faria o que eu desejava fazer no coração de João - Jorge entrou pela porta carregando o que lhe havia sido encomendado, Jéssica foi entregue aos braços do mais velhos e os chinelos arrastados foram ao fogão afim de fazer mingau pra sustenta-los. Eles ganhavam 130 reais por mês vindos de um auxílio governamental, os mais velhos não frequentavam a escola eles saiam na rua pedindo dinheiro entre os carros para conseguirem se alimentar com alguma dignidade -  esses meninos só não dormiam com fome porque descobriram um pé de Jatobá no final na rua em que moravam, além de matar a fome se deliciavam com a vista sendo um dos raros momentos que permitiam-se ser criança e imaginarem estarem num cenario totalmente diferente daquele.

Após a refeição os mais velhos se preparam para sair a mandato da vó levaram João dessa vez. Ele até que gostou da idéia pois odiava ficar trancado naquele muquifo acompanhado de uma velha gaga e uma louca desvairada que não lhe dirigiam a palavra com um pingo de respeito. Naquela casa se ouvia apenas lamentos e murmurias, as crianças eram tão apáticas pois qualquer sinal de riso parecia ser uma ofensa.

Os meninos saíram pra rua, o céu azicentado, o sol brilhava timidamente e a fumaceira causada pelos carros deixavam o cenário mais insoso. Os pequenos viam crianças vestidas com seus kichutes básicos e mochilas nas costas. Alguns meninos da mesma idade tinham os cabelos brilhantes devido ao gel de cabelo sempre acompanhados de uma figura responsável, João olhava soslaio para aqueles grupos que caminhavam até a escola próxima e não escondia o fascínio pelos cabelos arrumados tão perfeitamente, quando ele passou os dedos pelo os seus sentir que o comprimento era maior do que o daqueles que via, seus fios castanhos e grossos dando a impressão que a cabeça era maior. Foi então pego pela mão de seu irmão Jorge seguindo pelo caminho que fariam naquele dia, até o posto onde ficavam para pedir esmola.

MEMÓRIAS DE UM MENINO SEM INFÂNCIAOnde histórias criam vida. Descubra agora