Terra das Sombras: O Guardião

3. Salva Vidas

Antes de tomar coragem para entrar no prédio principal da escola, decidi conferir mais uma vez os horários do meu último semestre.

ACADEMIA ST. CONSTANTINE: GUIA DE AULAS

3º Ano - Formandos de 2007 - Turma: 3.001 (3-A).

Segunda Feira:

1° tempo - Ed. Física (Profª. Kara Tuminaga)

Merda. Merda ao cubo. Merda elevada à quinta potência!

Olhei para o papel em minhas mãos com extremo mal humor. Aquilo era um inferno maldito. Eu não queria acreditar. De todas as matérias presentes na minha grade curricular, parecia ser uma piada de muito mal gosto a primeira do semestre ser justamente a Educação Física.

Não me leve a mal - eu não sou nenhum nerd descoordenado. Quero dizer, eu sei que sou a porra de um pária social. Mas eu gosto de praticar esportes.

Juro que não estou querendo me gabar - nem nada do tipo - mas eu sou foda com o skate. E sem falsa modéstia, posso ser o melhor em qualquer coisa que eu faça. Só que esta minha relação com as atividades físicas se resumiam ao lado de fora dos muros da escola. Do lado de dentro? Não. Nem brincando.

Estão duvidando de mim? Então vou ter que explicar.

O principal motivo que me fazia odiar tanto, e com todas as forças imagináveis, as minhas aulas de Educação Física era bastante simples: por ser um Arcano, eu nunca pude realmente praticar coisa alguma. Sei que é idiota, mas é a verdade.

Imagine correr, saltar, nadar e fazer outras coisas melhor do que qualquer um de sua idade e não poder nem ao menos demonstrar um quinto disto tudo? Era uma merda frustrante! Eu poderia calar a boca de muita gente, principalmente do babaca do Oliver, mas tudo o que eu podia fazer para não dar bandeira era entrar lá e fingir ser um perdedor total. Perfeito, não acha?!

Yeah, eu não acho.

Por isso que, quando eu finalmente resolvi deixar o meu abrigo debaixo da árvore, meu ânimo se encontrava além da linha do chão. Na merda, mesmo. Eu estava cansado daquela porcaria toda. Cansado de fingir ser algo que eu não era. Mas eu sabia que não adiantava me revoltar. Se tivesse que aprontar, já teria feito alguma coisa idiota há bastante tempo, não nos meus últimos meses de aula. Então, logo que cruzei o portão de entrada, inspirei profundamente e decidi seguir com pressa para os vestiários.

Os corredores da Academia estavam apinhados de estudantes - todos conversando animadamente, contando as novidades do recesso do meio do ano e gritando como maritacas no cio, explodindo de hormônios. Como eu era um babaca completo, toda aquela interação me irritava ainda mais - pois, vamos lá, que novidades eu tinha para contar? E para quem?! Assim, sem perceber ou olhar para onde ia, eu era conduzido sem esforço algum pelo fluxo de gente em direção a Ala Norte da escola.

A Constantine era formada por um grande conjunto de prédios antigos, com direito a tijolos expostos e uma Torre do Relógio na construção principal. As nossas aulas de Educação Física eram realizadas no lado mais distante do campus, em uma área fechada, da qual eu chamava carinhosamente de ''Pavilhão de Tortura''. Assim que eu cheguei lá, fui recebido pela bela - e nem um pouco simpática - Treinadora Kara. Ela usava o agasalho oficial da escola por cima do que pareciam ser roupas de banho. Seu cabelo negro estava preso bem firme a um coque, e seus olhos rasgados estavam contorcidos na costumeira carranca severa.

- Até que enfim a primeira mocinha chegou para a aula - disse a Treinadora, sua voz carregada de desprezo, levemente arrastada pelo sotaque (e pela marra) carioca. Eu sempre me perguntei o que uma mulher da idade dela poderia ter na cabeça para trocar o famoso litoral ensolarado para se enfiar no interior do país, em uma cidade no meio do nada... Mas é lógico que nunca tive coragem de perguntar diretamente. Eu não sou a porra de um louco, e tenho muito amor pela minha vida. Ninguém deve tentar irritar a professora à minha frente. Isto é um fato.