Dia 47

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Hoje sou obrigada sair de casa para ir novamente à delegacia, repassar novamente os detalhes do caso que eles acreditam que têm, mas é tudo pura suposição. Ou não. Depois da lembrança não tenho tanta convicção assim. Se fosse pelo povo, esta hora eu já estaria morta e ninguém comparecia ao enterro exceto minha mãe.

Saio quando o dia ainda está clareando para evitar ser reconhecida, uso as melhores roupas largas que possuo, prendo meu cabelo cacheado em um rabo de cavalo e uso um óculos quadrado sem grau, na esperança de não chamar atenção, como se ser negra já não chamasse atenção o bastante...

No caminho para a sala de interrogatório recebo alguns olhares tortos dos presentes, o que me deixa um pouco intimidada.

- Bom dia, Bruna. – Diz a policial que não me recordo o nome.

- Aoba. – Respondo.

Ela coloca três fotografias na mesa a minha frente, são as garotas já mortas. Evito olhar.

- Então...pensou no que a gente conversou? – Disse ela.

- Eu não fiz nada, senhora. – Digo encarando minhas mãos.

- Seu celular estava perto da cena do crime, Bruna. Como isso te torna inocente? – policial Ferreira, eu acho, pergunta.

- Eu nem mesmo lembro o que aconteceu naquela noite... -Respondo e imediatamente me arrependo, só dei mais um motivo para desconfiança.

- Você não lembra? Interessante. Deixe-me refrescar sua memória: Você de algum modo consegue convencer Rúbia, Esther e Camila irem para aquela casa abandonada com você, afinal, que mal uma garota pode fazer a outra garota, certo? Lá, você amarra duas e com a outra começa sua prestação de contas: mata-a com facadas, ela estava tão bêbada que nem mesmo conseguiu se defender. Quer que eu continue? – Ferreira diz olhando no fundo dos meus olhos.

- Eu não fiz nada... – Falo baixo, mais para me convencer do que outra coisa.

- O que você fez naquela noite, Bruna? – Ela me encara.

- Eu não lembro... – Respondo.

- O que você fez naquela noite, Bruna? – Ela torna a repetir a pergunta.

- Eu não me lembro. – Respondo com um pouquinho mais de coragem.

- Bruna, o que você fez naquela noite? – Ela pergunta mais uma vez.

- EU NÃO ME LEMBRO! – Praticamente grito dessa vez.

- Tudo bem. Pode ir – Ela sai da pose policial-ruim para policial-boa.

Enquanto recupero o controle, outra lembrança: Eu e Rúbia estávamos conversando, ela estava apenas sendo simpática e claramente queria sair dali, eu sentia isso. Inventei que a maquiagem dela estava um pouco borrada e que as minhas estavam em casa, pertinho dali, se ela quisesse poderia ir até lá para retocar a maquiagem e voltar.

- Bruna? – A policial Ferreira me chama de volta para a realidade- Eu disse que está liberada.

- Tudo bem. Obrigada pelo encontro, Júlia. – Agradeço e ela parece surpresa por eu saber seu primeiro nome.

Saio dali com o medo pela minha segurança ampliado e com medo de quais lembranças ainda voltariam à tona.

O Que Você Fez Ontem?Onde histórias criam vida. Descubra agora