Pov'Millie
Abro os olhos assim que o despertador toca, porém, para mim, ficar de olhos abertos nunca foi muito diferente permanecer com eles fechados. É como jogar um copo de água no oceano ou acender um fósforo no meio de um incêndio.
Pouca coisa muda. Enxergo a escuridão total do meu quarto logo nas primeiras horas da manhã, mas os fachos de luz que entram pela janela funcionam como garantia de que, sim, eu ainda enxergo alguma coisa.Meu pijama esta colado no corpo e meus cabelos escuros estão mais enrolandos e amassados do que o habitual. Ao acordar, meu pensamento não é novo: já é a quinta vez que sonho com ele.
Tento reconstruir na minha mente aquele rosto que não é mais novidade. ele já apareceu nos meus sonhos diversas vezes, com um intervalo de tempo entre um sonho e outro. E estou certo de que era ele mais uma vez nesta noite. Sempre ele. O cara de camisa xadrez e com um meio sorriso aqui, geralmente, aparece olhar para mim.
No entanto, o que eu não sei é justamente o que mais me intriga: quem é ele?
catei o chão de madeira com os pés descalço E então fico de pé. Sabendo de antemão que não vou encontrar Nenhum obstáculo no meu caminho, arrasto no corpo miúdo até o outro extremo do quarto, que está mais do que abafado.
O verão está terminando e faz mais calor do que nunca. Como sempre, meus pais precisaram viajar a trabalho, mas desta vez ninguém ficou à disposição para tomar conta de uma garota que já completou 18 anos.
No caso, eu.
meus pais são biólogos, e algumas vezes surge um convite para viajar até sabe-Se-lá-onde é para estudar e analisar sabe-se-lá-o-que. Até pouco tempo atrás, eu tinha vovó ao meu lado, para cuidar de mim, então nunca houve problema em viajar e "me deixar para trás". no entanto, agora é diferente: vovó faleceu alguns meses.
Eu ainda tento, com certa dificuldade, encarar o fato de que nossa casa não é a mesma sem a presença dela. Já meus pais tentam a todo custo ter alguma ideia genial sobre o que fazer quando uma nova viagem surge a discussão é sempre a mesma, e todas as noites eu ouço a conversa na cozinha:
- Não podemos deixá-la sozinha em casa, David.
- Não podemos perder este emprego, Winona.
E aquela noite sabia que era hora de me juntar a conversa dos adultos.
- O o fato de ter uma filha com visão subnormal não deveria impedir você de viverem normalmente, David e Winona - eu disse, aparecendo na porta da cozinha de uma hora para outra parei logo na entrada, os olhos voltados para as duas figuras sentadas a mesa. - sei que isso é uma droga. Quer dizer, a partir de agora, procurar uma babá para filha praticamente cega. Mas a boa notícia é: eu já tenho 18 anos e não preciso de uma babá. Sei me virar, e 10 anos enxergando menos do que o resto do mundo já me deu algum crédito para passar uns dias sozinha em casa. Por favor, não liguem para nenhum parente. Se vocês não os suportam, imaginem eu! Isso seria um castigo. Apenas acreditem em mim. Estou dizendo, sei me virar sozinha - reforcei
Como eu sabia que aquilo não seria suficiente, arrisquei ir mais longe:
- Sei exatamente que eu achocolatado fica no armário da direita, a não ser quando o papai decidi tomar um pouco e deixa a lata em cima da pia. Sei também que uma leve apertada no tubo de creme dental é o suficiente para escovar os dentes. Eu até mesmo sei que você fez mechas no cabelo, mamãe, e que o papai usou uma camisa roxa na segunda-feira, Verde escura na terça-feira e uma azul-ciano na quarta-feira é o suficiente para uma cega parcial não?
E foi assim que com mais uma pequena dose de insistência, consegui convencê-los.
na noite da viagem, o carro lotado de bagagem deixou a nossa garagem, e eu até mesmo acenei, fingindo vê-los partir.
Para ser sincera, eu tinha pedido ajuda para Noah sobre as cores da camisa que meu pai tinha usado naquela semana. Minha deficiência me faz trocar as cores facilmente. Meu melhor amigo também me contou sobre as estranhas mechas que a minha mãe tinha feito no cabelo em um salão de beleza pra lá de duvidoso. Sobre a lata de achocolatado, bem, isso era óbvio. Mas tive que mentira para... sei lá, dar um descanso para eles.
O problema é meu, a cegueira parcial é minha. Ninguém tem nada a ver com isso - ao menos, não totalmente. Então, por cinco dias, decidi dar férias aos meus pais.
E seria uma grande mentira se eu dissesse que não estou com medo.
Continua
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como eu imagino você
AdventureAos 18 anos, Millie vê o mundo de uma forma diferente. Diagnosticada com uma doença rara na infância ela possui apenas a visão periférica e convive com o fato de que em breve não enxergará mais nada sua frente. Mesmo com todos os obstáculos, Millie...