Capítulo 02: Olhos Cheios de Estrelas
Saraid Albrecht, Oeste dos EUA, século XIX.Na primeira segunda-feira do mês de dezembro de 1874, constatei que já havia visto tudo que um nativo tinha para ver em uma cidade pequena no oeste dos Estados Unidos. Já havia frequentado todos os saloons poeirentos de todos os interiores, engolido todos os chopes de todos os barris congelados, e disputado todas as mesas de pôquer com pistoleiros e xerifes corruptos que levavam mulheres vendidas para a cama. Mas a verdade é que eu não queria ir embora dali.
Montada em meu cavalo, com o chapéu abaixado para me proteger do sol escaldante, avancei rumo a área que hoje é denominada como Rhyolite, em Nevada. Minha mente estava repleta de planos e estratégias, afinal, sobreviver nos confins do Velho Oeste exigia mais do que simples coragem.
Penso em como gastei todo o meu dinheiro com bebidas, botas de couro e ingressos para os mesmos campeonatos de lutas de sempre, com os mesmos lutadores que nocauteavam e perdiam toda semana. Penso na minha mãe doente que precisei deixar para trás em Stonehovecor e penso, então, que já é hora de voltar para casa.
São quase trinta dias até chegar em Stonehovecor. Para chegar até aqui, sem opções de embarcação ou qualquer outro tipo de transporte direto, o trajeto se torna uma verdadeira saga. Iniciei minha fuga para os Estados Unidos pelo sudeste da Bélgica, passando entre os recantos rústicos do noroeste da França, até finalmente alcançar um porto onde uma caravela, repleta de homens estrangeiros, aguardava para me conduzir através do vasto oceano até Georgia, nos Estados Unidos. Daí, seguindo uma sucessão de trens que cruzavam terras áridas e desertas, enfim cheguei ao Arizona. A jornada de trem, devo admitir: testou minha resistência física e mental até o limite. E agora, diante da perspectiva de retraçar meus passos para retornar a Stonehovecor, sinto-me triste por ter de deixar mais um lar que me acolheu.
Desço do cavalo quando chego em Rhyolite. À minha frente, há um grande hotel, acho, acompanhado por um grande letreiro: "Storm Vial" nele, feito com tinta verde e marrom de efeito rústico. Uma mulher ruiva, trajando um avental pomposo, está de pé atrás do balcão do lugar e fica me encarando por cima da porta vai e vem.
Fico ali parada, olhando para o lugar. É tão grande que não consigo distinguir o começo do fim. Parece uma chácara modesta de longe, mas agora olhando de perto, acredito que seja uma espécie de sítio e hotel. Então me lembro das madrugadas que passei caminhando pelas comunas e das vigílias que passei a frequentar nas igrejas cristãs, para que não houvesse o perigo de me assassinarem enquanto eu dormia. Me lembro do conforto noturno que nunca tive em Stonehovecor e chego a conclusão que o medo aqui não existe. Ninguém vai me assassinar enquanto eu durmo. Ninguém prenderá meus punhos e me espancar até meus gritos de dor se tornarem rugidos de morte no meio de uma praça de barro. Ninguém fará nada enquanto eu estiver aqui, no meu exílio, na minha expatriação.
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evermore
FantasyNa grande cidade de Stonehovecor, há mais histórias para serem contadas do que casas, ou árvores, ou qualquer outra coisa. Desde dois iguais que se reconhecem e vivem um amor que nem o dinheiro pode comprar, assassinatos com resoluções questionáveis...