Capítulo 03: Cabelos Caindo Como Dominós
Saraid Albrecht, Oeste dos EUA, século XIX.Quando acordo no dia seguinte, já é de tarde e perco a hora do café da manhã. Fico olhando janela abaixo, observando os raios de sol filtrarem-se através das folhas das árvores, pintando o chão de sombras dançantes ao mesmo tempo que os pássaros tecem suas canções sobre os galhos. Calço velhas botas de montaria e tranço meu cabelo enquanto encaro meu reflexo no espelho. A trança da esquerda fica levemente mais grossa que a da direita, mas não a refaço. Não há tempo. Penso em que comidas e iguarias me aguardam na cozinha do hotel, e então me sinto mais feliz quando abandono meu quarto e desço a escadaria pedregosa.
Nem preciso dizer que uma das minhas primeiras atitudes ao chegar no restaurante é varrer o olhar pelo local, na esperança de encontrar Gilbert, mas não o encontro, então vou até o balcão me servir. Coloco uma torta de feijão com pimenta jalapeño em meu prato e, para acompanhar, peço ao bartender um ponche de frutas selvagens com uma pitada de rum contrabandeado.
Enquanto espero por minha bebida, fico observando os hóspedes ao meu redor. Há um casal do meu lado: um homem de chapéu, que quase esconde seus cabelos ruços, e uma mulher de postura delicada, uma dama, com fios cintilantes e longos, que se nota de longe. Ela está saboreando um sanduíche de carne seca com queijo derretido em pão de milho fresco, e o marido está cochichando algo em seu ouvido. Ele está vestindo roupas de frio, mas sua esposa mal está composta. Me pergunto se eles vão passear entorno da cachoeira, ou se vão se deitar ao lado de seus cavalos e banhar-se de sol. Me pergunto, então, como deve ser a vida de um homem casado como este, e se a sua mulher está feliz. Provavelmente a resposta é não.
— Isso é seu. — Uma voz masculina corta meus devaneios. Quando me viro, há uma mão pálida estendida em minha direção e o meu broche de bronze em sua palma. — Deixou cair ontem.
— Você roubou.
— Se tivesse roubado, bem, eu não estaria devolvendo. Além disso, não me é útil. — Gilbert empurra a mão em minha direção mais uma vez. Ele tem um sotaque - os R e o L são bem acentuados -, é perceptível e charmoso, mas ainda não consigo reconhecer da onde é. — Pegue.
— Coloque na minha bolsa. — Aceito o broche de volta, mas não estou convencida. Fico esperando Gilbert colocar o objeto onde mandei, mas ele só estreita os olhos para a minha boca, assistindo-a devorar um pedaço da torta.
— É uma combinação e tanto — ele diz cheio de deboche, quando meu ponche de frutos vermelhos e rum enfim chega à mesa. — Me pergunto onde você aprendeu a ser tão sofisticada assim.
Não o respondo.
— O broche era do meu pai — falo, apertando-o na mão e dando um gole no meu ponche. Gilbert parece não ouvir o que falei. — Não é meu.
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evermore
FantasyNa grande cidade de Stonehovecor, há mais histórias para serem contadas do que casas, ou árvores, ou qualquer outra coisa. Desde dois iguais que se reconhecem e vivem um amor que nem o dinheiro pode comprar, assassinatos com resoluções questionáveis...