Capítulo 04: Por que Então, o Adeus?
Dizem que depois que descobrimos o excelente, o bom já não nos serve mais. E essa verdade ressoa em mim como um eco desde que eu finalmente a entendi. Em outras palavras, depois que conheci Gilbert Garvin, compreendi que mais ninguém poderia ser suficiente para mim. Isso não é necessariamente um problema, exceto pelo detalhe que ele me fez amar tudo que eu poderia amar da forma mais viva e ardente de uma vez só. Não é todo dia que encontramos alguém assim, tão febril: e uma vez que conhecemos essa pessoa, nunca mais amamos de novo. Gilbert era essa pessoa para mim. E eu nunca amei de novo.
𖤍
Saraid Albrecht, Oeste dos EUA, século XIX.
Na manhã seguinte, hei de retornar para casa. Meu conjunto de facas de alto padrão, todas forjadas a mão, as botas de couro de um tamanho a mais que o meu pé, o broche de bronze que herdei do meu pai, e o meu exemplar distópico hão de ir comigo.
Penso que não devo ir embora, que devo ficar, e que tudo que Stonehovecor sente por mim é desprezo. Então me permito lembrar que surrupiar e forjar foram alguns dos meus talentos que não tirei proveito desde que cheguei em Storm Vial. Em Stonehovecor era tudo mais fácil, eu vivia ali. Eu tinha de conhecer tudo. Conhecia todos os caminhos para todas as florestas sem nome, todos os relógios que contavam os segundos da celeridade dos guardas reais e todos os esconderijos infalíveis que as sereias jogavam seus homens. É claro que não me pegaram. É claro que fugi.
No bosque da hospedaria, firmo meus pés na grama e num movimento rápido e silencioso, deslizo para trás de uma árvore próxima. O aroma terroso do bosque envolve meus sentidos, enquanto fico ali, escondida, observando ao meu redor com cautela e curiosidade.
Encosto meus braços no tronco rugoso da árvore. Vejo o homem de roupas de frio caminhando sozinho ao redor de um lago cristalino, e me pergunto por que ele não está com sua esposa. Me pergunto se eles tiveram uma discussão, ou se uma criada está dando banho nela. Me pergunto se ele esconde algo de valioso em um desses casacos acolchoados que veste, e o quanto seria útil para mim.
Em seguida, passa uma mulher ereta aprumando-se, acompanhada de dois homens. Um com olhos esverdeados e movimentos corriqueiros nos pés; o outro, com o cabelo raspado e estatura desfavorecida. Parecem três idiotas, falando sobre uma pesquisa de astrometria e descrenças, seguidos por comentários sobre os cálculos, que eram impossíveis de estarem certos. Eles estão tão concentrados em si que não me dou o trabalho de não ser pega.
— Bisbilhotando?
Gilbert emerge silenciosamente ao meu lado, os braços discretamente ocultos atrás do corpo, e não me assusto quando o vejo. Ele parece não esperar uma resposta para sua pergunta, já que está sorrindo para mim. O mesmo sorriso que lançou para mim várias vezes nos últimos dois dias, o sorriso sagaz de quem sabe mais do que deveria saber.
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evermore
FantasyNa grande cidade de Stonehovecor, há mais histórias para serem contadas do que casas, ou árvores, ou qualquer outra coisa. Desde dois iguais que se reconhecem e vivem um amor que nem o dinheiro pode comprar, assassinatos com resoluções questionáveis...