Prólogo

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O chão estava quente.

Bem quente. Tanto que nem meu chinelo evitava que eu sentisse o calor subir pelos meus pés. Se eu pudesse escolher, o céu sempre ia cheio de nuvens pretas. Nem precisava chover, só pra tapar o sol mesmo. Porque aí quando a gente tivesse vendendo bala no sinal não ia parecer que tava dentro de um vulcão.

Quando o sinal ficava vermelho, a gente corria pros carros.

Eu gostava dos vermelhos e ficava felizão quando eles paravam na primeira fila, por isso ia direto para eles segurando o saquinho com as balas e jujubas.

— Bom dia, tio, compra uma bala para me ajudar?

— Outro dia, amigão — o homem de cabelos brancos não me olhou para responder, mas eu balancei a cabeça concordando, antes de seguir para o próximo.

O de trás era um carro branco, muito bonito e uma mulher com cabelos amarelos e a boca pintada de vermelho quem dirigia. Estava chegando perto quando o vidro escuro começou a subir bem devagar. Ela viu que eu estava indo, eu sei por que essa mulher não usava óculos escuros como as outras, então vi quando ela me olhou e fechou a janela antes que eu pudesse chegar perto para oferecer as balas.

Aquilo acontecia sempre.

Demorei pra entender o motivo, mas quando eu chegava pertos dos carros, principalmente de mulher, fechavam o vidro. Da primeira vez eu achei que não tinham me visto, por isso bati na janela, mas ninguém me respondeu. E só me restava ir para o carro de trás rapidamente, antes que o sinal ficasse verde e todo mundo acelerasse. Sem se importar se podia nos atropelar ou não.

Juliana sempre dava mais sorte que eu.

— Não vendeu nada? — Ela perguntou quando me sentei ao seu lado, no meio-fio quente.

— Nadinha... Parece que eles têm medo de mim.

— É assim mesmo, nem sempre consigo também. Mainha vai gostar que deu dez reais até meio-dia — minha irmã sorriu orgulhosa.

— E eu vou levar xingo — olhei para o céu completamente azul, sentindo ainda mais calor.

— Eu digo que foi de nós dois — sua mão tocou na minha.

com sede — passei a língua nos meus lábios para hidratar, mas até minha boca estava seca.

— Vamos pedir água ali no bar.

Minha irmã estava usando um pé de chinelo azul e o outro vermelho, maior que o pé dela. Os meus eram da mesma cor, mas estavam finos de tanto andar naquele asfalto quente. Acho que era por isso que eu sentia como se pisasse em carvão aceso.

Nós paramos no bar e minha irmã foi pedir água. O dono do lugar nos deu dois copos descartáveis cheios de água da torneira. Tava gostoso, mas estaria ainda mais se tivesse gelado. Juliana agradeceu e a gente voltou para casa brincando de pega-pega.

***

— Mãe, com fome!

— Vocês vão comer o lanche da escola, Jefinho. O arroz com ovo que tem é do Rogério que trabalhando.

— Mas a gente também trabalhou no sinal — senti meu estômago doer, roncando como um trator dentro da minha barriga.

— Dez reais nem pra comprar mistura — debochou — vou mandar Jean ir amanhã com Juliana porque você não presta nem pra vender.

— E eu vou poder ficar em casa estudando?

Me animei com a possibilidade. Se eu fosse bem na escola, podia passar de ano e aí estudar mais e depois ter um trabalho numa loja. Ia mostrar pra ela que sabia vender sim.

O CEO da Minha Vida tinha que ser Você (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora