Lado B

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[17:25]

De hora em hora eu dormia e despertava em seguida. Tentei achar alguma posição confortável, mas os óculos não deixavam... eu até poderia tirá-los, só que não ia demorar pra chegar em Tóquio – em uma hora estaria lá – não compensa tirá-los só por uma hora de sono. Caso eu dormisse, já que na maioria do meu tempo eu estou morto de cansaço, mas o sono não vem. Conto nos dedos quantas horas dormi essa noite... uma, duas, duas e meia, talvez três. E nenhuma delas completas, durmo vinte minutos e acordo, durmo mais trinta e acordo de novo. 

Eu decido abrir os olhos duma vez. Encosto meu cotovelo no encosto-de-braço sustentando meu rosto e olho para a janela. Presto atenção na vista.
Os trens pra Tóquio estavam cada vez mais velozes, por isso que não conseguia focar em nenhum ponto pra paisagem, já que as casas e as árvores passavam numa piscada.  Com certeza, ao anoitecer já vou ter chegado, ou talvez ainda esteja de dia... por causa do horário de verão e tudo mais.

Verei minha mãe e meu pai também. Já faz seis meses que não venho visita-los, mesmo minha mãe estando doente, não simplesmente doente, com câncer. Passamos o fim do ano juntos e ela parecia bem, mas eu não sei. Quando eu era criança ela teve uma gripe tão forte no inverno que ficou de cama por mais de um mês, mas sempre sorria. Um dia, de manhã, eu vi ela passando pó e batom pra parecer corada quando eu fossemos até a cama dela. Na época eu não entendi, mas hoje eu sei.

Passei a mão na testa pra esquecer tudo isso. Pelo menos veria Kusakabe. Isso é bom, vou vê-lo.  Conhecer sua casa nova, ele vai cozinhar pra mim, vai massagear minhas costas, vamos dividir a cama e se eu não dormir pelo menos estarei com ele, certo? Mas eu tenho que estudar... tenho que terminar meu trabalho sobre biotecnologia, sem contar o artigo de toxicologia. Será que ele vai se aborrecer? Acho que não, espero que não.

Ele era compreensivo. Ele é compreensivo. Não tem porque eu me afligir. Não tem porquê.

A paisagem ficava mais urbana a cada minuto, os campos de arroz davam lugar pra estradas e vilarejos, mais urbanos. Tóquio estava logo ali.

Eu nem teria que trabalhar muito, serão só uns ajustes de bibliografia e pesquisas complementares.

Era um trem-bala, não chacoalhava como um vagão de metrô, mas meu estômago começava a embrulhar. Será que eu vou vomitar? Eu não costumo passar mal em trens-bala.

Kusakabe é literalmente meu noivo, ele não vai se importar.

Eu tirei os óculos, quando um calafrio percorreu meu corpo, passei a mão no rosto e fechei os olhos. Não devia ter olhado para fora. Isso sempre me deixa tonto.

 

[18:59]

— Não me diga…

— Sim, mas eu fiquei bem. Foi só um susto.

— as pessoas ao redor te acudiram?

— não chegou a tudo isso. Foi só um enjoo leve.

—é engraçado você passar mal em trens. — minha mãe dizia com as mãos no volante. Falava ao mesmo tempo que prestava atenção no transito, fazia bem as duas coisas. — Quando você era bebê só parava de chorar quando andava de carro, acho que gostava do balanço. Eu e seu pai dávamos voltas e voltas no quarteirão durante a madrugada só pra você dormir.

Hitotema - Uma vezOnde histórias criam vida. Descubra agora