O tufão

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Dia 4

O mercado estava bem mais cheio que eu imaginei que estaria. Não era como se todos estivessem estocando comida, só compravam coisas perecíveis como frutas e leite pra não precisar sair durante a tempestade. Aqui em Quioto as tempestades são bem mais tranquilas que em Tóquio, essa não deve durar nem dois dias. Deve ser porque aqui tem menos concreto.

— Eu soube que vai cair granizo. — dizia uma velhinha na fila do caixa.

— Não diga bobagens. Não está frio o suficiente. — respondeu a outra.

— Próximo! — chamou a mulher do caixa e eu me aproximei. Tirei do meu sexto um isopor com um ensopado de frango pra viajem, torradas e suco de caixinha.

— Verdade, vai ser um tufão como qualquer outro. — a senhora continuou.

Eu vi no jornal que esse tufão ia acabar na quinta, mas Kusakabe tinha que ir embora na quarta. Não vou deixar ele pegar estrada durante uma ventania. Ele gosta de pagar de piloto profissional e não liga pra clima ruim, mas ele já não é cauteloso o suficiente nem quando o tempo está bom, imagina com um tufão. Ele tinha que voltar por causa do trabalho, mas falando sério, ele está tão gripado… se ele pegar chuva e vento andando de moto vai ficar de cama por mais uns dias. Mesmo ele ficando ou indo não conseguir vai trabalhar. 

— Deu 839 ienes, senhor. — a mulher me disse enquanto colocava minhas coisas numa sacola. Eu procurei na minha carteira uma nota de mil ou de dois mil, mas só tinha umas moedas jogadas que dei sem olhar muito os valores e ela logo me devolveu o troco dando minha sacola. — Tenha um bom dia.

— Igualmente. — respondi indo embora.

— Você não sabe nada sobre tufões, Misora. — ainda deu pra ouvir as senhorinhas conversando antes de sair pela porta.

O vento logo me empurrou e eu ajustei meu casaco do corpo. Andar a favor dele era tão difícil como andar contra, ele me arrastava. Não estava frio, só que que o ar úmido fazia minhas bochechas gelarem.  Minha casa era distante desse mercado, ficava pelo menos há umas cinco, seis quadras. Era o único que tinha comida pra viajem no meu bairro.










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— Cheguei. — gritei enquanto tirava meus sapatos e pisava com minhas meias na madeira fria. Coloquei as sacolas no chão e tirei meu casaco pendurando no cabideiro ao lado da porta.

Não era nem duas da tarde mais o céu nublado não deixava a luz do sol passar, aqui dentro de casa estava tudo bem escuro, mas a sala era iluminada pela luz da cozinha acesa. Hikaru tinha descido? Ele ficou de cama a manhã toda. Ontem ele saiu de chinelos e um casaco fino numa noite de outono. Não preciso nem dizer que ele pegou um resfriado.

— O que você tá fazendo aí? — disse ao encontrar ele na cozinha, cortando gengibre numa tábua. Seu cabelo estava mais descabelado que o normal e seu nariz vermelho como uma pétala de pneumonia. Vestido com uma calça moletom cinza e uma blusa de manga comprida azul, com mangas encolhidas pra não sujar com as coisas que preparava, deixando seus pulsos de fora.

— Porque você foi pro mercado com calça jeans?— disse ao me olhar.

Coloquei a sacola no balcão na pia, ao lado dele e seu gengibre. Como ele conseguiu achar gengibre na minha geladeira? Eu não comprava gengibre a meses.

— Não queria sujar outra roupa. — disse ao tirar as coisas da sacola. A sopa entornou uma pouco, não muito. Ela sujou a caixa do suco e também deu para ver que o isopor não serviu muito, porque a sopa esfriou do mesmo jeito. — merda. — sussurrei ao sujar minha mão com a sopa que entornou.

— Chá com mel. — ele disse.

Hitotema - Uma vezOnde histórias criam vida. Descubra agora