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  A água a incomodava

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  A água a incomodava. Não era como as águas de uma nascente doce ou as gélidas das chuvas, era salobra e grudenta e salgada, parecia se enraizar em sua pele e ardia os cortes dos cascalhos. Seu cabelo se colara ao seu corpo e tentar tirá-lo do caminho apenas embaraçava-o mais, seus olhos ardiam e tentar coçá-los os enchiam de areia. Ela se sentia miserável. 

   E a platéia que a assistia parecia concordar. As mulheres a fitavam com olhares de desagrado ao corpo nu, vermelhas e furiosas pelos mesmos olhares de seus maridos, estes mais admirados e benquistos. As solteiras ousavam lhe cobiçar sem medo do julgamento, as pupilas dilatando à sua imagem conforme ela se mantinha ali, prostrada sobre a areia e sob a tempestade, tremendo de frio e vibrando de temor. 

- Não dispõem de nada melhor à fazer?- uma mulher enfrentou a multidão, um manto tremeluzindo em mãos enquanto marchava em direção dela.- Saiam!

   Os olhares se desviaram, dirigindo-se à costa enquanto a mulher abraçava-a com o manto, cobrindo os seios e escondendo os cabelos, esfregando bem seus braços afim de esquentá-la. Afrodite percebeu que seus cabelos brilhavam com a mesma cor do céu no entardecer, e os olhos tinham o mesmo tom de castanho da terra e das árvores. Ela era linda, esplendorosa em sua gentileza. 

- Vamos querida, por aqui.

   Suas mãos eram delicadas, mas a guiaram pela areia e pelas pedras com firmeza e cuidado, mal dando-lhe tempo de observá-la ao desviar de cacos pontudos e banhistas curiosos. Ela a levou até as pedras da costa, um monte de rochas niveladas pela água, guiando-a para a colina além das pedras.

   O lodo fazia seus pés escorregarem conforme subia a ladeira, escadas de rocha a guiando até uma pequena cabana escondida ao meio das árvores, expelindo fumaça pela chaminé decadente, os vidrais manchados enquadrando uma pequena sala iluminada, o balançar das árvores ao fundo soando como um sussurro de boas vindas. 

   A porta de madeira rangeu quando a mulher a abriu. 

- Cadmo! Cadmo, preciso de sua ajuda.- a mulher a empurrou até a cabana, sentando-a numa cadeira sulcada e velha. 

   Um homem espreitou através do portal de uma cozinha, o semblante surpreso enquanto esquadrinhava a mulher agora sentada sob sua mesa. Seus olhos a observaram com atenção, estudando cada mínimo detalhe de sua feição.

- O que você aprontou hoje, meu amor?- Cadmo apenas entrelaçara seus dedos, encarando Afrodite com sobrancelhas erguidas e olhos curiosos. 

- Ela apareceu na praia hoje.- a mulher se aproximara dele, o braço do homem se erguendo até seu ombro numa naturalidade cálida.- Cadmo, não acho que ela seja mortal.

   Os olhos de Afrodite se ergueram até ele, deixando que a observasse. Ele a esquadrinhou bem, examinando os olhos de opalina, observando a quietude de sua postura, se demorando sobre sua silhueta. De fato, não havia um ser de sangue mortal que transbordasse tanta eternidade como ela. Seus olhos não se desviaram.

Bênçãos de Fogo & FerroOnde histórias criam vida. Descubra agora