Ela ainda o encarava. Uma rebeldia selvagem serpenteando em gelo e sina, um espelho tempestuoso dos azuis do Deus dos Deuses.
O sangue secava sobre seu rosto, pontos de carmim e bordô salpicados sobre o mármore pálido de sua pele. O queixo tremia sob seu escrutínio, os lábios azuis e gelados de terror. Mas ela ainda o encarava. Determinada e feroz e cheia de ira.
E Zeus gostava daquilo. Hermes, enraizado no mar de corpos aos seus pés, estremeceu com a sede e interesse contorcendo os lábios de seu pai. Ele sabia o que significava. E tinha nojo.
- Quão belos - Zeus se agachou à frente de Athena, os dedos se contorcendo numa ansiedade maliciosa.- Me fariam a gentileza de apontar quem os deu?
Seus dedos varreram a profusão de corpos estraçalhados sob seus pés, adoradores curvados em seu nome. Athena sentiu o coração tropeçar, um alfinete espetando seu peito enquanto beliscava a irmã encolhida ao seu lado e erguia o queixo ao mentir.
- Agnes - seus olhos caíram sobre o corpo de uma mulher à pouca distância de seus pés, contorcida sobre a própria espinha, olhos já cobertos pelo véu dos fantasmas enquanto os lábios gritavam um berro eterno.
O deus assentiu, os lábios franzidos numa careta seca de lástima.- É uma pena.
O ossos de Athena pareciam agarrar seu coração e esmagá-lo em terror e medo. Sua mente, porém, estava afiada. Corria com a mesma fluidez do sangue derramado.
Zeus voltou seus olhos à ela no instante em que ela entendeu seu jogo.
- Sabem quem eu sou? - Athena continuou imóvel. Pallas assentiu com timidez - Pois sabem quão misericordioso sou.
Athena pôde jurar que ouviu uma risada abafada de onde Hermes estava.
- Portanto - Zeus prosseguiu - seguirei a vontade das Kéres e manterei-as vivas.
Pallas ergueu-se de imediato, uma corça do verão atenta à promessa de vida. Athena não hesitou em puxá-la novamente para baixo. Sabia até onde o poder do deus pretendia trilhar sua vida; e sabia que acabaria em breve. Pallas, porém, pretendia viver. Queria viver. Era sedenta por ar e vida e sol. Athena, não.
E ela havia se resignado no instante em que o deus se ergueu. Havia aceito e rezado e se arrependido quando ele se voltou para o sol, quando observou a vastidão de sua destruição, de seu poder, quando...
Quando recolheu duas espadas do chão.
Não.
- A que sobreviver ascenderá conosco.
Não.
Ela gritou quando ele lhe agarrou. Berrou e esperneou e lutou enquanto via a silhueta de Hermes desaparecendo à distância, nada mais do que uma sombra caminhando colina acima, impotente e vulnerável e covarde. Deus fraco e covarde.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Bênçãos de Fogo & Ferro
FantasyO berço da magia e civilização ascende por entre colunas de traição, céus se adensando e montanhas tremendo ao testemunhar o nascimento das deusas. Atena jura tomar vingança pela sua irmã, vislumbrando o trono do Rei dos Deuses com um desejo insaci...