4. Pessoas normais

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Ela sai do chuveiro e se enrola na toalha de banho azul. O espelho está embaçado. Ela abre a porta e da cama Evan olha para ela. Olá, ela diz. O ar azedo no quarto parece frio na sua pele. Ele está recostado na cama com o notebook no colo. Ela vai até a cômoda, acha roupas íntimas limpas, começa a se vestir. Ele a observa. Ela pendura a toalha na porta do armário e enfia os braços nas mangas da blusa.

Aconteceu alguma coisa?, ela pergunta.

Acabei de receber um e-mail.

Ah? De quem?

Ele olha silenciosamente para o notebook e em seguida para ela. Os olhos dele estão vermelhos e sonolentos. Ela está fechando os botões da blusa. Ele está sentado com os joelhos levantados debaixo do edredom, o notebook brilhando em seu rosto.

Evan, de quem é?, ela diz.

De um diretor de Londres. Parece que estão me oferecendo um papel como protagonista em um filme cult. Grande possibilidade de entrar no Oscar, sabe?

Ela fica parada. O cabelo continua molhado, encharcando aos poucos o tecido da blusa.

Você não me contou que tinha feito teste, ela diz.

Ele apenas olha para ela.

Assim, parabéns, ela diz. Não me surpreende que te chamem, só me surpreende que você não tenha falado nisso.

Ele assente, o rosto inexpressivo, e então olha de novo para o notebook.

Sei lá, ele diz. Eu devia ter te falado, mas sinceramente achava a probabilidade muito remota.

Bom, isso não é razão pra não me falar.

Não importa, ele acrescenta. Não é como se eu fosse. Nem sei por que fiz o teste.

Ana puxa a toalha da porta do armário e passa a usá-la para massagear as pontas do cabelo lentamente. Ela se senta à mesa.

A Sadie sabia sobre o teste?, ela pergunta.

Quê? Por que você está perguntando isso?

Sabia?

Bom, sabia, ele diz. Mas não entendo qual é a relevância.

Por que você contou pra ela e não pra mim?

Ele suspira, esfregando os olhos com a ponta dos dedos, e então dá de ombros.

Sei lá, ele diz. Foi ela quem me falou pra fazer o teste. Achei uma ideia idiota, para falar a verdade, por isso não te falei.

Você está apaixonado por ela?

Evan fita Ana do outro lado do quarto, sem se mexer nem romper o contato visual durante vários segundos. É difícil saber o que seu rosto expressa. Ela acaba desviando o olhar para arrumar a toalha.

Você está brincando?, ele diz.

Por que você não responde à pergunta?

Você está confundindo as coisas, Ana. Eu nem gosto da Sadie como amiga, está bem, sinceramente acho ela irritante. Não sei quantas vezes vou precisar te falar isso. Desculpa não ter te contado da coisa do teste, mas, assim, como isso te leva à conclusão de que estou apaixonado por outra?

Ana continua esfregando a tolha nas pontas do cabelo.

Não sei, ela diz depois de um tempo. Às vezes tenho a impressão de que você quer ficar perto de pessoas que te entendam.

É, o que é o seu caso. Se eu tivesse que fazer uma lista de pessoas que não me entendem de jeito nenhum, a Sadie estaria bem no começo.

Ana se cala outra vez. Evan já fechou o notebook.

Desculpa por não ter te contado, o.k.?, ele diz. Às vezes fico constrangido de te contar essas coisas porque parece besteira. Para ser sincero, ainda venero muito você, não quero que me ache, sei lá. Um iludido.

Ela espreme o cabelo com a toalha, sentindo a textura áspera, granulosa de cada madeixa.

Você devia ir, ela diz. Para Londres. Você devia aceitar a oferta, devia ir.

Ele não se manifesta. Ela ergue os olhos. A parede atrás dele é amarela feito um pedaço de manteiga.

Não, ele diz.

Com certeza você consegue fazer isso. 

Por que você está falando isso? Imaginei que quisesse continuar seu mestrado aqui no ano que vem.

Posso ficar e você pode ir, ela explica. É só um ano. Eu acho que você devia ir.

Ele emite um ruído estranho, confuso, quase uma risada. Toca no próprio pescoço. Ela larga a toalha e começa a desfazer os nós do cabelo com a escova lentamente.

Que ridículo, ele diz. Não vou pra Londres sem você. Eu nem estaria aqui se não fosse por você.

É verdade, ela pensa, ele não estaria. Estaria em outro lugar, levando uma vida totalmente diferente. Seria diferente até com as mulheres, e suas aspirações sobre o amor seriam diferentes. E a própria Ana, ela seria outra pessoa, totalmente diferente. Teria sido feliz um dia? E que tipo de felicidade poderia ser? Todos esses anos eles foram como duas plantinhas, dividindo o mesmo pedaço de terra, crescendo um ao redor do outro, se contorcendo para criar espaço, tomando certas atitudes improváveis. Mas, no fim, ela fizera algo por ele, tornara uma nova vida possível, e sempre poderá se sentir bem por conta disso.

Eu morreria de saudades de você, ele diz. Ficaria doente, sinceramente.

No começo. Mas melhoraria depois.

Sentam-se em silêncio, Ana passando a escova metodicamente pelo cabelo, sentindo os nós e devagar, com paciência, desembaraçando-os. Não faz mais sentido ser impaciente.

Você sabe que eu te amo, diz Evan. Nunca vou sentir isso por ninguém.

Ela assente, o.k. Ele está falando a verdade.

Para falar a verdade, eu não sei o que fazer, ele confessa. Me diz que você quer que eu fique e eu fico.

Ela fecha os olhos. É provável que ele não volte, ela pondera. Ou volte, mas diferente. O que têm agora eles nunca mais poderão ter. Mas para ela a dor da solidão não vai ser nada se comparada à dor que costumava sentir, de não valer nada. Ele lhe trouxe a bondade como uma dádiva, e agora isso é parte dela. Enquanto isso, a vida se abre à frente dele em todas as direções ao mesmo tempo. Fizeram muito bem um ao outro. De verdade, ela pensa, de verdade. As pessoas podem mudar as outras de verdade.

Você devia ir, ela diz. Eu vou estar sempre aqui. Você sabe disso.

Imagines - Evan Peters (traduções e adaptações)Onde histórias criam vida. Descubra agora