3 - Marcas na alma

344 73 159
                                    

O entardecer foi coberto pelo véu do crepúsculo

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

O entardecer foi coberto pelo véu do crepúsculo. Através da janela, as primeiras cores da noite paulista se insinuaram junto ao brilho pálido de singelas estrelas.

Esparramada na cama do quarto de hóspedes, Laísa encarava a tela do notebook. Uma página em branco do Word a encarava de volta.

— Vamos, Laísa. Você consegue. Meia página, pelo menos.

Já estava há quase duas semanas tentando escrever aquela resenha. Se atrasasse mais um pouco, o cliente do seu trabalho freelancer desistiria do serviço. Contudo, as palavras simplesmente não fluíam. E uma jornalista que não conseguia escrever era como um cantor que perdia a voz.

Esperava que a mudança para São Paulo e a casa de tia Marta lhe dessem uma chance de retomar a escrita. Mas as correntes invisíveis pareciam tê-la acompanhado até ali, assombrando-a, imobilizando-a. Ela queria acreditar que aquele bloqueio estava relacionado com a perda de Iago, contudo, sabia que os acontecimentos que a travavam antecediam a morte dele.

Se fechasse os olhos, poderia voltar para aquele dia... Poderia inalar o cheiro da fumaça, o grito, os diversos olhinhos apavorados e...

Laísa ofegou assustada quando seu celular tocou.

Com o coração aos pulos, atendeu à chamada.

Oi, filha. — A voz de sua mãe estava animada do outro lado da linha. — Estou ligando para saber se você chegou bem, se o voo foi tranquilo.

— Deu tudo certo. Me desculpa por não ter ligado antes. Fiquei sem bateria. Mas já estou na casa da tia Marta.

Ah, sinto falta da época em que morávamos em São Paulo! Mas amo Belo Horizonte também. — Ela deu uma risada gostosa. — E Marcos? Ele está bem?

Laísa franziu os lábios.

Se ele pelo menos sentasse e conversasse comigo, eu poderia dar uma resposta.

Não conseguia apagar o olhar aflito — quase assombrado — que manchava as íris castanhas de Marcos. Ele se trancara no próprio escritório e estava lá até agora. Alguma coisa grave deveria estar acontecendo. Mas não queria preocupar a mãe com suas próprias inquietações.

— Sim. Está trabalhando muito. Subiu na vida.

Ah, que bom! Só Deus sabe o quanto essa família sofreu. Fico aliviada ao saber que as coisas estão melhores agora. — Sua mãe suspirou demoradamente, e Laísa sabia que o rumo do assusto mudaria da água para o vinho. — E você, querida? Como está?

Ela tamborilou os dedos pelo teclado do notebook, encarando a maldita página em branco do Word.

— Vivendo um dia de cada vez. Já faz cinco meses, e...

Paraíso Profano | DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora