Naquela noite Lucy me ligou para me dar notícias sobre minha irmã. A mesma disse que Amelie não teve nenhuma melhora, o que me deixava ainda mais preocupada. Lucy também comentou sobre minha mãe não estar se alimentando direito.
Me sentei sobre a cama me sentindo aflita e desejei estar ao lado delas. Como eu queria que esse maldito dinheiro não fosse tudo nesse mundo. Eu posso perder minha irmã por causa desse dinheiro! E são só... cédulas de papel.
Passei as mãos sobre o meu rosto e suspirei sentindo meus braços doloridos.
Aquele dia havia sido muito confuso. Tirando o fato da aflição com relação a minha família, eu havia descoberto que Apolo Hale estava vivo. Apolo Hale! Ele era uma lenda para mim e eu sempre o vi como um cara incrível que expressava sentimentos através de suas músicas, mas ele não era como eu imaginava ou via na fama.
O pouco que eu conheci desse Apolo Hale, ele era um homem grosso, ríspido e ignorante. Não sei como ele não me deixou rolar escada abaixo enquanto apenas observava. Do jeito que ele me trata, era capaz de eu quebrar alguns ossos e ele simplesmente me mandar voltar ao trabalho.
Minha visão do homem incrível que eu imaginava para Apolo Hale era totalmente falsa. Com exceção do curto momento em que ele me olhou na porta do meu quarto. Aquele sim parecia ele. Eu até tive a impressão de que ele sorriu!
Talvez eu só esteja muito cansada por ter trabalhado tanto hoje.
Me levantei da cama e fui em direção ao banheiro para tomar um banho. Separei uma roupa leve para que eu pudesse dormir e abri a bela e dourada torneira da banheira. Aquele banheiro ainda me encantava.
Me sentei num pequeno banco de madeira clara que tinha ao lado da banheira e passei a mão na minha nuca dolorida. Eu havia esfregado os cantos da escada hoje, o que me fez ficar curvada por um bom tempo.
Estava tentando amenizar a dor que sentia quando notei que dentro de uma das gavetas de vidro transparentes havia um livro.
Estendi minha mão até ele e o peguei. Sua capa era dura e num tom castanho bem claro. Havia um desenho desbotado de uma rosa em sua capa e em letras caligrafadas estava escrito: A bela e a fera.
Eu gostava de ler. Ler para mim era que nem ouvir músicas, eu conseguia me transportar da minha realidade para outra completamente diferente. Mas eu nunca tinha tempo para isso.
Desliguei a torneira quando notei a banheira cheia e tirei minhas roupas. Entrei na água que tinha um poder aliviador incrível para meu corpo cansado. Me deixei banhar por aquelas águas e peguei o livro.
Comecei a lê-lo e quando vi, já haviam se passado meia hora. Meia hora que se passaram num estalar de dedos enquanto eu lia aquelas páginas tão encantadoras que tinham o poder de me fazer imaginar coisas inacreditáveis.
Sai do banho ao notar que estava ali tempo demais e vesti a roupa que eu havia separado. Eu estava cansada, mas também estava inquieta. Aquele dia havia me jogado muitas informações, e isso juntando com o meu medo de ser demitida e a preocupação com a minha irmã me tiraram o sono.
Resmunguei por querer deitar, mas resolvi sair e andar um pouco pelo jardim. Eu não consigo dormir quando estou com a cabeça a mil, então andar um pouco talvez me acalmasse.
Abracei meus próprios braços quando senti o vento gélido me atingir do lado de fora. Fechei a porta e comecei a andar em passos curtos e lentos por entre aquele jardim tão bonito, porém mal cuidado. Os matos cresceram demais e as flores estavam murchas.
A lua era a única responsável por iluminar aquele lugar, o que escondia toda a beleza que ele tinha durante o dia.
Eu sentia uma certa pena enquanto olhava para aquele jardim praticamente abandonado. Eu gostava muito de flores e sempre quis ter um jardim só para mim onde eu pudesse plantar desde Margaridas à Violetas. Que eu pudesse cuidar e passar um bom tempo lendo, mas esse sonho nunca se realizou. O quintal da casa onde morávamos era minúsculo e não dava para fazer nada parecido.
Toquei uma das colunas de gesso presentes no meio do jardim e me sentei sobre um banco que havia ali.
Eu estava triste. Aquele não era um dos melhores momentos da minha vida. Na verdade, sempre que eu fechava os olhos eu me imaginava de volta à minha casa junto da minha mãe e da minha irmã. Tudo era feliz e colorido, nada de preocupação com o que Amelie vai levar de lanche para a escola ou como vamos pagar a passagem de ônibus para o trabalho. Tudo é tranquilo. E assim eu gostaria que fosse.
Abracei- me mais forte e suspirei tentando não deixar o choro me dominar.
Comecei a olhar a minha volta tentando tirar da minha cabeça a cena da minha irmã num leito se hospital e prestei atenção no jardim novamente.
- Por que nem do jardim ele cuida? - Questionei para mim mesma.
- Porque eu não tenho vontade. - Quase infartei quando ouvi a voz de Apolo ao meu lado. Eu não havia notado quando me sentei, mas ele estava sentado no mesmo banco virado para o outro lado.
- Cristo Deus! - Falei num tom alto assustada enquanto colocava a mão sobre o peito. - Que susto! Para que fazer iss... - Parei de falar quando me lembrei com QUEM eu estava falando. - Quer dizer... - Tentei reformular minha frase, mas acabei deixando para lá. - Nada não.
Um silêncio pairou por um momento enquanto eu me sentia envergonhada. Eu tenho que parar de falar dessa forma, ele é o meu patrão e eu dependo desse emprego para melhorar as coisas.
- Por que está aqui fora a essa hora? - Apolo perguntou com seu mesmo tom de sempre.
- Eu não ia conseguir dormir. Tem... coisas demais acontecendo na minha vida. - Respondi abaixando minha voz.
- Isso faz parte. - Ele falou de forma calma. - São essas curvas ruins que fazem a vida ficar mais interessante.
- Ah pois a minha vida é super interessante, porque eu dou dois passos e aparecem cinco curvas ruins. - Resmunguei olhando para minhas mãos. O silêncio voltou a pairar entre nós e tudo que ouvíamos era o som do vento. - Er... Não querendo abusar nem nada mas, eu posso... posso cuidar desse jardim? - Olhei para Apolo com medo de sua reação.
Ele ficou em silêncio por uns segundos olhando para o jardim até que virou seu olhar para mim.
Eu não sabia explicar o que eu sentia, mas uma sensação estranha me causava calafrios e arrepios quando o olhar dele se fixava em mim.
- Por que faria isso? - Ele perguntou. - Seria só mais trabalho para você.
- Eu... - Um sorriso sincero porém tímido escapou enquanto olhava para as plantas ao meu redor. - Sempre quis ter um jardim. Sempre quis poder cultivar flores do campo e observar as belas obras de arte que elas formam. Mas nunca pude. - Abaixei o olhar. - Então pensei que não seria má idéia cuidar deste já que parece que ninguém faz isso. Eu posso? - Voltei a olha-lo.
Apolo ficou olhando para mim por uns segundos me deixando completamente desorientada e sem jeito.
- Claro. - Ele voltou a olhar para sua frente. - Faça o que... o que bem entender. - Apolo se levantou e saiu de perto de mim me deixando com um sorriso. Era a primeira vez que eu poderia cuidar de um jardim. Aquilo parecia ser uma coisa boa no meio de tudo que estava acontecendo.
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Continua...
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À um centímetro de distância
RomanceEla tem grandes expectativas de uma vida diferente. Apaixonada pelo modo como a música pode transporta-la de sua realidade para uma bem mais colorida, Aurora tem suas músicas e cantores favoritos. Contudo, os tempos não eram muito bons para sua famí...