Hora no metrô

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Seu sorriso era engraçado. Não o ato das suas gargalhadas escandalosas inundarem não só esse vagão, mas muito provavelmente todos os vagões presentes naquele metrô, mas o ato de sua boca estar esticada para cima, revelando uma fileira de seus dentes tortos, exprimindo uma alegria quase que absurda, isso é que era engraçado. Nunca que o sorriso de um completo desconhecido, por mais bonito e desejável que fosse, me trouxe a vontade de sorrir também, mas assistir aquela boquinha esquisita me fez feliz.

Os cabelos compridos e marrons e salpicados de folhinhas verdes também eram extremamente atrativos. Aquelas plantas, vistas para muitos como um ato de completo desleixo, contavam uma história. E eu juro, poderia colar meu traseiro nesse banco e ouvir pela minha vida inteira cada palavra que a garota tivesse a dizer sobre isso, tamanha era minha curiosidade.

Seus olhos não eram exatamente simétricos, mas cá entre nós, são poucas as pessoas que possuem esse diferencial. Queria que todas as pessoas olhassem seus próprios olhos em um espelho, qualquer um, e se agarrassem a recém-descoberta de que elas não são assim tão incrivelmente perfeitas como acham que são. Ninguém é de verdade. Eles também possuem um dos azuis mais lindos que já tive o prazer de ver. Engraçado, essa era a cor de um dos meus ursinhos de pelúcia mais antigos. Brinquei muito com ele quando era criança, agora, acredito eu que ele foi perdido, roubado, estraçalhado por algum cachorro descontrolado ou uma criança mais descontrolada ainda. Sinto saudades do meu ursinho, ele me lembra de tempos felizes, tempos em que sorria exatamente como essa garota de beleza mediana está sorrindo. Vou chama-la de Azul, o nome do meu companheiro feito de algodão de outra vida.

Suas mãos destrambelhadas seguram um aparelho celular, um desses de marca cara, vestido numa capinha transparente. Consigo ver uma nota de dinheiro, a de valor mais baixo, um de seus documentos pessoais também. Sua foto é feia de dar dó, não condiz em nada com a figura sentada no banco oposto ao meu. Provavelmente ela está rindo de alguma piadinha, dessas que vemos nas redes sociais, ou então alguém a enviou algo engraçado, algo engraçado para valer. Acho que é grosseria dela não me mostrar o que é, eu também queria rir. Só estamos eu e ela nesse vagão, o horário já é tarde, já deve passar das duas da manhã. Não seria nada demais me mostrar seja lá o que esteja na pequena telinha.

Os joelhos dela se agitam nervosamente, e ela vira a cabeça de minuto a minuto para explorar o local. Não sei se está esperando que alguém magicamente se materialize ali, ou se está com medo de ficar sozinha comigo. Não sei, talvez eu teria medo de ficar sozinho comigo mesmo se eu fosse outra pessoa, não posso julgá-la.

—Não sou um risco para você. —Digo em voz alta, minha voz meia rouca, meio arrastada.

—Fico feliz por isso. —Azul abre um sorrisinho nervoso. Ela morde o lábio inferior, e seu corpo se encolhe quase que imperceptivelmente para longe do garoto estranho que acabou de falar com ela.

—Eu sofri um acidente quando era criança. Eu e meu melhor amigo Tomás estávamos no carro dos pais dele. Eles discutiram feio, seus pais, eles se odiavam pelo que eu me lembro. Eu levei a pior. O carro colidiu com tudo do lado em que eu estava, eu tenho sorte por ter algum movimento na minha perna e braço esquerdos. Por isso eu fico sentado assim. —Explico a ela o motivo para estar sentado daquele jeito, meio corcunda. Meu braço machucado provavelmente pende de um jeito estranho do meu corpo.

—Sinto muito por isso. —Ela contrai o rosto com uma expressão de pena.

—Não foi você que bateu no carro dele.

—É, bem, há uns dez anos atrás eu ainda tinha meio que sete anos. Não conheço muitas crianças com essa idade que têm habilitação.

—Eu também não. —Abri um sorriso.

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