Em memória de Amelia La Frénière, amada esposa, mãe e avó.
As palavras incrustadas na lápide pareciam tão frias e imóveis como a pedra que segurava-as. Jean estava há meia hora observando as letras que não falavam nem metade do que Amelia fora. Sim, amada esposa, mãe e avó, mas também amiga fiel, mulher de fibra, alma bondosa. Quando o vento soprou os cabelos rebeldes do fantasma e as árvores ao redor do túmulo, Jean pensou que a brisa suave contava mais sobre Amelia do que as palavras escolhidas para marcar o local de descanso de seu corpo.
Os olhos dele vagaram pelo monumento antigo que abrigava os restos de muitas mulheres da família La Frénière. Fora ele quem escolhera o local quando o cemitério Lafayette foi inaugurado. Jean queria que todas as bondosas damas que o ajudaram tivessem um espaço para que suas famílias pudessem chorar suas perdas. Claro, ele nunca tinha impedido que outras pessoas da família fossem enterradas ali também.
Para dizer a verdade, desde que comprara o lote, Jean nunca mais tinha voltado àquele lugar. Deixou que a família enterrasse seus entes queridos às suas custas, pois ele fazia questão de pagar por todos os funerais e enterros, mas ele mesmo nunca tinha ido até ali novamente. Eram muitas lembranças atreladas aos nomes gravados nas pedras.
No entanto, Jean sempre soube, desde que se tornara amigo de Amelia, que iria visitá-la ali, independente da quantidade de lembranças que pudesse despertar. Mesmo assim, agora que estava ali, ele ainda se sentia sozinho.
Mais de um mês havia se passado desde a morte de sua melhor amiga, mas Jean continuava na cidade. Ele havia reaberto sua casa, contratado faxineiras e um cozinheiro, assim como uma motorista e uma paisagista para cuidar da renovação do seu jardim há muito abandonado. Se parasse para pensar, Jean não saberia dizer exatamente o que o manteve na cidade. Ele sabia que acabaria indo visitar o túmulo de Amelia para conversar com ela, mas isso não significava que precisava voltar a morar ali.
Lembrou-se de Luna, então, e não conseguiu deixar de esboçar um pequeno sorriso.
— Era isso o que querias? — ele perguntou por fim, como se estivesse conversando com sua amiga, e não com um pedaço de pedra. — Voltei e a reencontrei, e aceitei que ela continuasse com o feitiço. Foi proposital?
Jean não precisava que Amelia estivesse ali para imaginar qual seria sua resposta. A mulher tinha sido astuta, qualidade que talvez ele tenha lhe ensinado, e sabia como manipular o mundo para ter o que queria. Pelo pouco que havia conversado com a neta da amiga, Jean sabia que Amelia a tinha criado para seguir ao lado dele como ela fizera, mantendo-o no mundo dos vivos para cumprir a promessa de eternidade.
— Nunca conversamos sobre ela, como prometi a Helena, mas sempre me perguntei como ela seria — ele revelou enquanto se escorava na pedra, como se estivesse se sentando ao lado da amiga para manter a conversa. — Preciso confessar que temi que ela se tornasse como a mãe. Amargurada, intransigente, mesquinha. Nada parecida com a Helena que vi crescer sob seu teto.
Ele olhou ao redor, para os caminhos de cascalho que levavam aos outros túmulos. O cemitério estava vazio, e Jean se sentiu como a assombração que era. O único fantasma vagando pela terra, enchendo os vivos de momentos arrepiantes e as bruxas de visões inconvenientes.
Suspirou, querendo ser capaz de esquecer como chegou até ali.
— Sinto falta dela também — voltou a falar —, da Helena que você criou, que me apresentava suas bonecas, que reclamava das matérias chatas da escola, que queria conhecer o mundo em um balão. Não gostei que ela tivesse crescido, talvez por isso eu nunca tivesse olhado para ela de outra forma. Ao mesmo tempo, ela era minha sobrinha, minha família, eu não poderia vê-la como mulher.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O véu que nos separa (Degustação)
Lãng mạnDois séculos e meio... Jean Baptiste de Noyan morreu em 1769 após receber sentença de morte por ser um dos líderes de uma Rebelião em Louisiana. Mas sua verdadeira condenação foi proferida uma semana antes de sua morte, quando fez uma promessa para...