24 de agosto de 1769

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Eles estavam discutindo de novo. Já era a terceira vez só naquele dia. Jean desejava ardentemente que alguém lhes pedisse para acabar com aquilo. A discussão não levaria a lugar nenhum, como não tinha feito nos últimos três dias.

Não era exatamente culpa de nenhum deles que tivessem caído na armadilha do general O'Reilly, mas os outros homens não paravam de culpar um ao outro. Felizmente, Jean tinha ficado fora dessa discussão, já que os ânimos dos primos pareciam se exaltar um para o outro em vez de resvalarem para os outros ocupantes da cela.

Preso.

Não era aquele resultado que ele esperava quando concordou com seu sogro e os outros membros do Conselho Superior sobre a rebelião, nem quando votou pela saída do governador Ulloa de Louisiana. Jean Baptiste de Noyan não esperava ser encurralado em um salão de jantar e levado para a cadeia com seus camaradas, sendo separado de suas posses e de sua esposa, cuja presença só aproveitara por dois anos.

- Não sei como pude concordar contigo quando decidiste por jantar com o general - acusou La Frénière.

Jean pensou que deveria ficar do lado do procurador geral, visto que fora com a filha deste que se casara, mas ele não achava realmente que fora Villeré o responsável pela aceitação do convite de O'Reilly. Na verdade, Jean não poderia imaginar como qualquer um deles teria sido convencido a fazer tal coisa. Todos estiveram de acordo, todos acreditavam no que tinham feito, todos tinham esperança.

- Não venhas acusar-me, Nicolas - respondeu Villeré. - Não fui eu quem demorou a escrever e enviar uma simples carta.

- Simples carta? - A voz de La Frénière reverberou pelas paredes de pedra da prisão.

Jean desviou os olhos dos dois homens mais velhos e procurou pelos guardas no corredor. Nem se mexeram. Por mais que os dois senhores dentro da cela estivessem gritando e apontando o dedo um para o outro, os guardas responsáveis por mantê-los ali não se moveram um único centímetro. Nem mesmo seus olhos relancearam na direção da cela. Jean se perguntou quantas discussões eles já tinham presenciado.

- Se não tivesses tomado tanto tempo para enviar o Memorial, tua filha poderia estar desfrutando da companhia do marido - continuou Villeré, fazendo com que Jean olhasse novamente para os dois.

O mais novo não queria entrar naquela discussão e franziu o cenho quando Nicolas La Frénière olhou para ele. O olhar do sogro era de surpresa, como se notasse pela primeira vez que o genro estava no meio deles. Jean não se importou com o esquecimento, pois só queria um pouco de paz enquanto estivesse ali dentro. Qualquer que fosse o destino deles, Jean aceitaria de bom grado, tendo consciência de que fizera a escolha certa.

Não foi pelo dinheiro ou pelo poder. Tivera a ver com liberdade. Jean queria que o bloqueio de Ulloa fosse banido para que os negociantes pudessem trabalhar em paz. Ele era um homem rico e empreendedor, queria manter aquelas opções para si, para sua esposa e para os filhos que viriam. Que talvez não viessem mais.

A maior dificuldade em estar ali, para Jean, era acreditar nas palavras de O'Reilly. O novo governador dissera para eles não temerem, para confiarem nele, pois tudo o que queria era um julgamento preciso. Quantas vezes Jean fora vítima do julgamento dos outros? Quantas vezes ele vira como os homens eram corruptíveis e voláteis a ponto de mudar de opinião em um piscar de olhos?

Seu sogro era um bom exemplo. O olhar de surpresa que lançou a Jean rapidamente se transformou em fúria quando gritou mais uma vez para todos os detentos ouvirem:

- Pois ele seria mais esperto se não ouvisse as sandices de um certo capitão.

Lá estava a inveja. La Frénière nunca havia entendido ou superado o fato de que seu genro fora mais cordial com seu primo do que com ele mesmo.

Na verdade, Jean não tinha preferência por nenhum dos dois parentes, mas ele não podia negar que era mais fácil conversar com Joseph Villeré do que com o pai de sua esposa. Talvez fosse exatamente por isso. O fato de ser o pai de Catherine dava a Nicolas a sensação de que Jean seria seu aliado, seu confidente, seu subordinado. Jean Baptiste, porém, não acreditava que sua lealdade poderia ser comprada com um casamento ou com dinheiro - ele tinha dinheiro de sobra.

Jean gostava de Nicolas porque suas ideias e seus princípios eram parecidos. Por mais diferentes que os dois pudessem ser física e emocionalmente, seus objetivos eram os mesmos: uma colônia sob o poder do reino da França e independência para gerir seus negócios. Nada tinha a ver com suas relações familiares intrincadas, criadas por seus antepassados.

- Parai, por favor! - exclamou Milhet, finalmente interpondo-se entre os dois amigos que discutiam. - Há três dias, estão discutindo por algo que não pode ser modificado. Já ocorreu. Precisamos pensar em como nos defenderemos diante do tribunal.

Diferente do que ocorrera com o levantar de voz do primo, La Frénière calou-se após ouvir o amigo. A relação entre Nicholas e Joseph Milhet era a mais forte dentre todas as outras que pudesse existir naquela cela. Os laços que ambos formaram, com certeza, perdurariam ainda após suas mortes.

Enquanto o silêncio tenso dominava o local, Jean desejou que suas mortes estivessem longe de acontecer.

Enquanto o silêncio tenso dominava o local, Jean desejou que suas mortes estivessem longe de acontecer

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O véu que nos separa (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora