Morte. O destino inevitável. A verdade dolorosa.
Sua família sempre temeu a morte. Jean se lembrava do pai, Gilles Augustin Payen de Noyan, um cavaleiro da Ordem Real e Militar de Saint Louis, um homem de posses e título que temeu a morte quando esta se aproximou. Jean Baptiste se lembrava dos sussurros amedrontados de um homem que queria continuar vivendo. Sua mãe, Jeanne Guillemette Faucon du Manoir, costumava contar-lhe histórias sobre os homens que seriam levados pela morte e fugiram, permanecendo como assombrações no mundo dos vivos.
Jean Baptiste Payen de Noyan, porém, não tinha medo da morte. Ele sabia que ela viria. Claro, nunca teve certeza de quando, mas sempre esperou por ela. Talvez, a culpa por essa espera fosse o fato de ele ter dedicado sua vida a amontoar as riquezas que deixaria para seus filhos — que, agora sabia, nunca chegaria a ter —, talvez, a culpa fosse da constante luta por manter as tradições e linhagens, casando-se com uma dama a qual não amava.
Ele não precisou vasculhar a multidão para encontrá-la. Todos sabiam onde os familiares dos acusados poderiam permanecer durante uma execução.
Marguerite Catherine Chauvin de La Frénière, a jovem que desposou para manter a aliança com o procurador geral de Louisiana, a jovem que seria viúva aos dezesseis anos, a jovem em quem ele nunca tocou. Jean podia vê-la atrás da multidão, parada sob a marquise da casa que ficava em frente à praça de execução. Ela também o observava.
Quando se conheceram, Jean imediatamente notou que ela era muito madura para a idade. Foi um pecado ter aceitado o que Nicholas disse sobre ela ser capaz de superar o casamento arranjado em tão tenra idade. Mesmo assim, foi o que ela fez. Catherine, como ela pediu a ele que a chamasse após o casamento, foi uma senhora exemplar, cuidando da casa como ninguém mais poderia.
Em seus quase dois anos de casamento, Jean aprendeu a respeitá-la. Seus sogros, amigos e parentes nem poderiam imaginar que ele nunca consumara o casamento. Jean não a desejava, ela era jovem demais. Era costume, sim, casar-se tão jovem para ter mais tempo de terem filhos e herdeiros, mas ele não considerava certo. Já havia retirado a pouca liberdade que a jovem possuía, não tiraria também sua inocência.
Mesmo assim, olhando-a atrás da multidão, o semblante calmo e inexpressivo, Jean teve a impressão de que ela não era mais tão inocente quanto ele acreditava. Era como se ela conhecesse a morte, como se estivesse preparada para ela, assim como ele estava.
Quando Catherine desviou os olhos de Jean para observar o pai, o jovem comerciante não se sentiu abandonado ou traído. Desde o início, ele soubera que ela não estava ali pelo marido que mal conhecera. Por mais cruel que tivesse sido ao desposá-la, Jean não tinha arrependimentos quanto ao seu casamento, pois sempre fora um bom e respeitoso marido.
Desviando ele mesmo os olhos de sua senhora, Jean encontrou o rosto umedecido e contorcido de angústia de Louise Marguerite. Ali, sim, ele descobriu que restava remorso. Por que ela fora até lá? Não havia mais o que chorar.
Joseph morrera três dias depois de Jean ter-lhe prometido que cuidaria de sua família, três dias antes de suas sentenças serem proferidas. Se não tivesse falecido na prisão, Joseph Villeré estaria andando para a parede de pedra da praça de execução como os cinco homens que compartilharam seu cárcere no mesmo aposento. Joseph Villeré também seria alvejado de balas pelo pelotão de fuzilamento se não tivesse partido antes do tempo.
Quando o amigo morreu, Jean pensou que ele havia sido sortudo ao falecer sem saber o que o destino lhes reservava. Quando ouviu que ele próprio também morreria, Jean sentiu inveja do capitão de milícia. Agora, observando os olhos inchados e lacrimosos da esposa do amigo, Jean entendeu que aquele tinha sido o melhor destino para o homem que ele respeitava. A morte teria sido muito pior para Joseph se visse a esposa naquele estado. Por um instante, cogitou como se sentiria caso sua própria esposa estivesse no estado de Louise.
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O véu que nos separa (Degustação)
RomanceDois séculos e meio... Jean Baptiste de Noyan morreu em 1769 após receber sentença de morte por ser um dos líderes de uma Rebelião em Louisiana. Mas sua verdadeira condenação foi proferida uma semana antes de sua morte, quando fez uma promessa para...