Capítulo 10 - Dia 19 de Setembro

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Mais um dia na escola, e esse especialmente estou mais ansiosa. Ontem não teve aula, parece que foi uma reunião de todos os professores, ou seja, não consegui falar com a Camille, e hoje tenho uma sessão de terapia. Logo, ela provavelmente vai falar comigo nela.

O tempo passa parecendo uma eternidade. Finalmente o sinal indicando o final da última aula toca. Vou para o corredor acompanhada pela Valerie.

— Você tem a terapia agora né?

— Sim. — Digo ansiosa.

— Como será que a Camille vai reagir?

— Não faço ideia. Mas que ela vai tentar me impedir, vai, isso tenho certeza.

— Treta né? Mas eu vou indo, marquei de encontrar a Cindy. — Me abraça. — Boa sorte! — Diz se afastando e indo embora.

Vou caminhando lentamente até a sala da Camille e quando vejo já estou na porta. Respiro fundo antes de bater duas vezes. Após alguns segundos a porta se abre e diferente do que sempre acontece, Camille está séria. Entro na sala e me sento no sofá de sempre. Percebo que hoje há alguns livros, papéis e recortes de jornais em cima da mesinha de centro. Camille se senta na sua cadeira e parece um pouco agitada.

— E-Eu pensei em tudo o que você me falou. — Começa ela.

— E? — Pergunto hesitando sua resposta.

— E o que você está tentando fazer é muito comum. — Ela solta um suspiro longo, como se estivesse prestes a fazer um discurso. — Ainda mais quando você perde alguém muito próxima por assassinato. Você está investigando o assassinato da Amy como um meio de escape. Está muito triste e perdida depois da morte dela e para superar, acha que só será possível se descobrir quem é o assassino. — Quando a abri a boca para falar algo, ela me interrompeu. — E não é uma questão de não confiar na polícia, e sim de manter sua mente ocupada para não ter tempo de raciocinar tudo o que está acontecendo.

— O que você fala até que faz sentido. — Dou um suspiro longo. — Mas essa descrição não é o meu caso. Eu só quero justiça pela Amy...

— Clear, me diz com sinceridade, o que você planeja fazer depois que pegar o assassino e jogá-lo atrás das grades? — Me interrompe.

Penso um pouco antes de responder. — E-Eu não sei... Provavelmente vou enterrar a Amy dignamente...

— Viu? Você só pensa nessa investigação agora. Não tem planos para o seu futuro e sim planos para o que vai fazer em relação a Amy. — Ela fica na ponta de sua cadeira e estica o braço para segurar minhas mãos. — Clear, você está obcecada com a Amy. Você se agarra a qualquer coisa que a faz estar presente, mesmo que não esteja.

— Você está enganada. — Digo soltando suas mãos bruscamente. — Eu não estou obcecada na Amy! Eu só quero justiça! É o mínimo, não é? — Percebo que agora estou gritando.

— Você sabe que estou falando a verdade. — Ela vasculha alguns recortes de jornais que estão em cima da mesinha de centro. Então pega um e me entrega, apontando com o dedo para a fotografia de um homem. — Konstantin Frédéric. Ele perdeu o pai na adolescência, que foi assassinado em casa. Ele era muito próximo do pai e então começou a fazer uma investigação para descobrir o assassino. Depois de meses descobriu que foi um agiota a quem o pai estava devendo. Prenderam o agiota. Mas e depois? Lê o que ele fala.

Abaixo o meu olhar para a matéria em minhas mãos e a leio.

"Meu nome e Konstantin Frédéric e sou filho do Kevin Frédéric, assassinado em 2010. Eu procurei o assassino do meu pai por meses. Desconfiava de todo mundo. Até achei que a minha mãe poderia o ter matado! Por Deus!Eu fiquei realmente obcecado por isso, minha vida era em torno dessa investigação. E mesmo que errasse de suspeito nunca parava, sentia que devia isso ao meu pai, que ele precisava de justiça. E quando descobri quem era, e finalmente prenderam o assassino do meu pai, me senti extremamente vazio. Era como se não tivesse um propósito na vida. Comecei a fazer terapia, e fiquei meses parecendo uma planta, não tinha sequer um propósito. Mas depois de me recuperar consegui me livrar desse luto pelo meu pai e desse peso que carreguei desde a morte dele. Hoje entendo que tudo o que fiz, foi para não sentir a perda do meu pai, foi um meio de escape que usei para não sofrer tanto. Mas acabou que sofri mais do que se estivesse vivido o luto no momento em que ele morreu. Conheci outras pessoas que fizeram a mesma coisa que eu fiz, e elas se sentiram igual a mim, vazio. Atualmente tento ajudar as pessoas que já passaram por isso, sei que não há nada que possamos fazer para impedi-las, pois eu vivi e sei bem o como teimosos ficamos, mas auxílio essas pessoas depois delas passarem por essa fase, pois sei que o pós é mais difícil do que quando estamos investigando."

L

evanto o meu olhar para Camille, que me encara.

— Leu? — Pergunta.

— Você não está tentando me comparar com ele, né? — Digo rindo um pouco, ela não pode estar pensando que sou com ele, né?

— Clear…

— Ai meu Deus! — Me levanto do sofá bruscamente. — Você não pode estar pensando que sou como ele, né? — Ela fica em silêncio, sinal de que assente. — Porque eu não sou como ele! Ele é um doente, e eu não sou assim! — Olho de novo para a matéria . — Eu... Eu nem me identifico com o que ele fala! Para mim o que ele está falando nem faz sentido. Eu estou investigando a morte da Amy para ter justiça, porque ela merece justiça, a mãe dela merece justiça, eu mereço justiça! — Engulo em seco e olho para Camille. — Eu não sou como ele Camille. Não sou, entendeu?

— Clear...

Me sento no sofá novamente. — Eu só quero saber se você vai contar para alguém da investigação. E se vai tentar me impedir, o que com certeza vai faz…

— Não. — Me interrompe. — Eu não vou contar a ninguém e nem vou tentar te impedir. Mas quero que me conte tudo sobre essa investigação. A partir de agora você vai realmente fazer terapia e não vai me esconder nada. — Fico chocada e literalmente de boca aberta, com certeza não esperava isso. Não depois dela ter me comparado com esse Konstantin.

— Como assim? — Pergunto confusa.

— Exatamente o que você ouviu. Quero que continue a investigação e me conte tudo. Sei que você não iria parar se eu pedisse e seria pior você continuar nisso sem conversar com uma psicóloga. Além do mais, pelo o que li, as outras pessoas que fizeram exatamente o que você está fazendo, não pararam até descobrir quem foi o assassino.

Engulo em seco. Eu gosto da Camille, mas eu não sou igual a essas pessoas. Não sou! Mas prefiro ficar quieta, não quero discutir, novamente.

— Obrigada Camille. — Vou até ela e lhe dou um abraço forte. Ela fica surpresa, acho que não esperava isso, mas me retribui. Volto para o sofá rapidamente.

— Agora me conte tudo.

Conto para ela exatamente tudo que aconteceu desde a nossa última sessão. Inclusive meu encontro com o Ryan. E ela sempre me interrompe para me dar sermões de como isso que fiz foi perigoso, que deveria tomar cuidado, etc, etc...

— E você sente algo em relação a esse Ryan?

— O que? Não, não. Ele só é muito irritante, apesar de o achar bonito.

— Pelo jeito que você fala dele.

— Não tem jeito nenhum. Vamos falar de outra coisa.

— Você sabe no que está se metendo não é Clear?

— Como assim?

— Você tem que ter cuidado com esse Ryan, você não sabe quem ele é. Acho que alguém deveria te acompanhar nesses encontros. Eu mesma, posso ir. — Sugere.

— Obrigada, mas não Camille, já te expliquei o porque disso. E eu me cuido bem sozinha.

O celular de Camille toca, nos interrompendo. — O alarme. — Diz me mostrando o celular. — A sessão acabou, até quinta.

— Até. — Digo indo embora. Pela primeira vez estou saindo dessa sala com uma sensação boa, de alívio.

Pego o celular na minha mochila e abro o chat com o Ryan.

"Quero te encontrar amanhã, preciso de mais."

"Mas já? Vai com calma garota."

"Vai se fuder. Fala logo, quando e onde?"

"No mesmo lugar e no mesmo horário."

"Ok, só não atrasa."

"Acho que eu deveria dizer isso."

Ai que garoto irritante! Percebo que estou com um sorrisinho de lado. Argh! Para com isso Clear!

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