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16 de Janeiro
O clima quente do verão marca a tarde do dia de hoje. Há pássaros cantarolando para todos os lados, consigo escutar o barulho da água caindo na bacia do chafariz e posso sentir minha pele transpirar — sensação que, particularmente, odeio. A estrela que deu origem à sua alcunha está escondida por entre as milhares de nuvens alvas, que se destacam em meio à imensidão azul-claro.
O terreno onde foi construída a casa onde resido é considerado exageradamente grande — ao menos, por mim — devido ao jardim que meus antepassados fizeram questão de construir. Animais de pequeno porte sempre andam por ali, fazendo uma bagunça aqui e acolá.
De todas as estações, a que menos me identifico é esta em questão. Talvez por não gostar de luz abundante ou, como disse antes, começar a transpirar devido às altas temperaturas características da temporada. Entretanto, Solis, as noites de verão me trazem um estranho sentimento de alento, um tanto nostálgico. Não lembro quando encetei esta mania peculiar, posso chamá-la até mesmo de tradição, nada obstante, vejo-me no telhado de casa com um colchonete maltrapilho, a lamparina esquecida por meu avô e uma garrafinha de água. Costumo subir à meia-noite por meio de uma saída de emergência no sótão e me desligo totalmente do mundo real. A falsa sensação de liberdade é tão gostosa, tão etérea. Quando menos espero, estou contando as milhares de estrelas no céu e mergulhando na vastidão de minha própria mente.
Uma válvula de escape de minha vida conturbada, necessária para acalmar meu ser.
Sabe, Solis, a brisa refrescante é como um entorpecente, onde me sinto um passarinho solto da gaiola por alguns minutos, e eu não a trocaria nem por um milhão de reais. A solidão que me envolve desde cedo deixa de ser um problema e passa a ser acolhedora. Incrível, não? Isso apenas as madrugadas de verão conseguem fazer.
Agora o sol ainda está à vista e me pego pensando se seguirei esta tradição. "Mas você não estava falando que não trocaria essa sensação nem por um milhão de reais?", deve estar se perguntando. Sim, não trocaria por um milhão de reais, contudo, não sei se me sinto preparado para entrar em minha mente como antes. Eu descobri que a psique consegue ser traiçoeira, má, pivô de conflitos e sua pior inimiga.
Algo que não sabes é que há uma batalha interna entre mim e o meu subconsciente, uma luta árdua que sempre tem consequências tão árduas quanto.
De uns tempos para cá, ando perdendo pedaços de mim pelos caminhos em que passo e realmente não tenho certeza se eles voltarão a me habitar. Isso é realmente necessário? Digo, machucar-me por entre espinhos e voltar sem fragmentos do meu "eu" só para que possa dar lugar a novos? A regeneração de cada fase por que passo começa a ser dolorosa no momento em que percebo que deixarei meu íntimo desmoronar sem que eu tenha controle.
Ultimamente, venho buscando uma base, um alicerce, onde possa me firmar nesses momentos. Você, Solis, passou a ser esse apoio que tanto procurava. E... te agradeço por isso.
Vendo o horizonte da varanda, na qual estou tecendo seu interior com palavras sinceras, observando os tons quentes colorindo o céu com a chegada do poente, percebo que o mundo é grande demais para alguém tão pequeno como eu. Será que um dia serei capaz de encontrar o sentido de estar aqui? Será que encontrarei alguém para dividir as minhas lamúrias e momentos de sorrisos? Será que um dia serei genuinamente feliz?
Patético, estou conversando com uma folha de papel...
E o que dói mais é saber que és o único que me escuta.
Às vezes, entre os vocábulos mais profundos e pesarosos, é possível sentir a angústia de quem os escreveu. Por isso, peço perdão antecipado se lhe fizer sofrer como eu ando sofrendo.
Por agora, observarei o sol descer lentamente no horizonte, despedindo-se de um lado da humanidade para agraciar com sua luz o outro, enquanto reflito quanto ao meu velho costume.
Com carinho, N.
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Intocável
RomanceDentre todos os escapes possíveis de uma realidade maldosa, o meu refúgio favorito estava em minha frente, todavia, tinha plena consciência que eu nunca poderia alcança-lo, por mais que quisesse. ©2021, claramolv.