Sonhei com uma bruxa. Eu ia para a mata ver o fogo e ela estava lá. Tive medo de que nós duas fôssemos consumidas pelas chamas, enquanto ela falava comigo. Olhei melhor e uma coruja estava pousada no seu ombro. O que ela dizia não consegui me lembrar completamente, mas parecia zangada. Acordei com penas sobre mim. Procurei a coruja. Teria dormindo em cima dela e esmagado? Mas não havia nenhuma ave ali.
Ao longe, através da janela aberta, apesar de toda a baixa visibilidade, vi, ainda sonolenta, uma silhueta se mover, em formato de mulher com ave no ombro. Ou seria uma miragem?
Eu precisava fazer alguma coisa. Fui até a janela e vi a mata ficando cada vez mais longe.
As crianças, na calçada, brincavam dentro da fumaça. As pessoas andavam lá fora, respirando aquele veneno. Por que simplesmente não apagavam o fogo?
Ouvi uma tosse alta de mamãe e decidi. Em um rompante, decidi que iria apagá-lo. Sai de casa em sua direção. Eu seguia tão rápida e leve, como se meu corpo mal pesasse. Estaria ainda sonhando? Era fácil me mover. Tive vontade de voar. Mais, tive uma lembrança de um sonho em que eu voava de verdade por cima da cidade, e, lá em cima, não existia a fumaça, e, ao longe, não via fumaça, tudo límpido, apenas lá em baixo a nossa cidade enfumaçava. Da minha boca saiu um chirriar. No sonho?
Cheguei onde estava o fogo e já era tudo cinzas. No lugar dele, um corpo jazia. Seria o homem da gargalhada? A bruxa? Abaixei e, a princípio achei ser um animal, por causa dos pelos. Mas ao virar, vi um rosto de gente. A criatura sangrava. Olhei mais adiante e poucas árvores restavam.
Eu tinha que fazer algo. A fumaça só crescia, se desenvolvia, pesada sobre as cabeças de todos, que se movimentavam como podiam. Lá em casa não conseguíamos mais comprar pão. Talvez só pessoas como a Dona da casa límpida estivessem bem com a fumaça crescendo, a mata queimando. Uma lamúria quase humana veio do resto de mata que ainda havia. Fechei os olhos e pulei. Quando abri estava no chão.
Eu queria voar. Precisava voar. Se eu pudesse ser a coruja da história, venceria aquela miséria. As meninas poderiam dançar e sorrir em um ar de cores vivas, veríamos as imagens uns dos outros. Poderia escolher as minhas roupas, ajustá-las, pois estariam visíveis e o ar poderia ser sorvido por todos.
- Agora não. Só à noite, no sonho...
Era o homem da gargalhada. Apareceu apenas a metade do corpo por trás de uma das últimas árvores.
- À noite, nos salve. Salve os nossos fantasmas.
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A Matinta e o Sonho
FantasyEm uma cidade tomada pela fumaça, uma menina recebe a visita de uma coruja, que a leva a descobertas tão fabulosas como um sonho.