Voltei para casa e ansiei pela noite. Deitei e esperei o sono, mas a ansiedade não me deixava dormir. Fui até a janela e vi as chamas. As últimas árvores estavam ardendo em brasas. Olhei para o alto, esperando ver a coruja passar. Ela não vinha. Fiquei na espreita, vendo quando iriam passar os homens de verde. O sol já começava a tocar a redoma de fumaça, quando eles começaram a aparecer, um por um.
Subindo pela casa, vinha alguém. Uma mão enrugada escalava minha janela. Esfreguei os olhos e as mãos sumiram. Lá longe, vi a metade de um homem perto das chamas.
Os homens de verde andavam como zumbis. Eu não poderia fazer nada de mal ao Seu Gerônimo. Era um homem bom. Pensava isso, enquanto empoleirava a janela. Fiquei esperando, ensaiando o salto ou a decolagem. Não sabia mais o que era delírio e o que era real. A fumaça entrava pelas minhas narinas durante o meu suspiro decidido. Tossi, ouvindo o som da minha própria tosse com uma tosse de velha. Ou talvez fosse minha mãe. Aquilo tinha que parar.
Pulei. Saltei em direção aos homens. Fechei os olhos e planei no ar em suas direções. Gritei com força, fazendo-os cair um por um, já mortos, secos de vida. Quando o último caiu, eu pude ouvir os passarinhos matinais bem pertinho dos meus ouvidos, encostados no chão.
De olhos abertos, vi tudo muito claro, sem fumaça. Agora mamãe poderia comprar pão, as meninas poderiam dançar, até mesmo diante de um espelho. Agora o homem da mata não morreria queimado. Seria inteiro. Vi tudo límpido como na casa da madame. Não, era límpido como quando sobrevoei a cidade em sonho. Mas onde eu estava? No céu? No chão? No sonho? Não mais importava. Eu sorria, gargalhava, ouvindo o som mágico e vivo da mata renascendo em flor ao redor de mim.
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A Matinta e o Sonho
FantasyEm uma cidade tomada pela fumaça, uma menina recebe a visita de uma coruja, que a leva a descobertas tão fabulosas como um sonho.