Capítulo 1 - O Resgate

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— Ele vem com a bola...

Chaves surgiu pelo corredor da vila, ao lado da casa de Seu Madruga, e entrou no pátio carregando a bola de futebol em seus pés.

— Dibra um... Dibra dois, passa o terceiro e...

Seu Madruga abriu a porta da sua casa bem a tempo de ver o pontapé que Chaves dava na bola. Ela fez um arco ascendente passando pelo vão de entrada da vila, que as crianças usavam como trave em seus jogos de futebol.

— GOOOOOOL! — Gritou Chaves sem perceber qual foi o destino final da bola.

— Tinha que ser o Chaves mesmo! — Soou a voz de Seu Madruga saindo da porta de sua casa em direção ao garoto.

Chaves olhou assustado para ele.

— Mas o que foi que eu fiz?

— Você é cego ou o quê? Não está vendo o que você acertou?

O moleque então olhou na direção para onde tinha chutado a bola. Próximo a porta da entrada da vila alguma coisa estava diferente. Um vaso de porcelana que deveria ter alguma planta ornamental agora estava em cacos espalhando terra pelo chão.

— Foi sem querer querendo...

Seu Madruga estava impaciente. Tentava manter o controle para não dar um cascudo em Chaves. Lembrou de seu treinamento de autocontrole para não bater mais no garoto, mas a vontade fazia seus braços comicharem e tremerem. Quando conseguiu se acalmar, percebeu que Chaves já estava encolhido esperando a pancada. Sentiu pena do coitado.

— Olha, Chaves... Você deve tomar mais cuidado com as coisas. Principalmente com aquelas que não são suas. Você pode quebrar algo seu que ninguém sentirá falta além de você. Mas quando é algo de outra pessoa...

— E de quem é aquele vaso? — Disse Chaves interrompendo o sermão de Seu Madruga.

— Aquele vaso é da vila. Quer dizer, era enquanto estava inteiro... Era de todos nós, do coletivo. Olha, nós vivemos em um grupo de pessoas, não é? Se aquilo não foi colocado lá por algum morador daqui, provavelmente foi pelo Seu Barriga com o nosso dinheiro. — Seu Madruga percebeu que Chaves não estava entendendo a questão de Seu Barriga ter comprado o vaso com o dinheiro deles. — Com o dinheiro do aluguel. Entende? Isso faz com que ele seja de todos nós, inclusive seu.

— E o que eu vou querer com um vaso?

Seu Madruga começava a se arrepender da sua escolha em dialogar com o garoto em vez de ter-lhe dado um cascudo. Mesmo assim continuava mantendo sua calma.

— Chaves, o vaso é apenas uma das coisas que são divididas entre todos nós aqui. Tem a água, a luz que ilumina o pátio, o portão... Tudo é dividido entre todos os moradores.

Chaves parecia não se importar com o que seu Madruga falava. Assim como o velho, ele já estava sem paciência. Não queria ficar sendo repreendido por causa de um vaso estúpido que não servia para nada.

— Você não acha isso importante? — Seu Madruga indagou.

O garoto mexia impaciente nas tiras de seus suspensórios e, envergonhado, respondeu:

— Na verdade eu acharia importante se dividissem algo para comer...

Aquela frase pegou Seu Madruga de surpresa. Sabia que Chaves não tinha nada para comer, mas o garoto sempre se virava de alguma forma. Agora que tinha acabado de lhe dar uma lição de moral, sentiu que todas as palavras ditas soaram hipócritas diante da situação do garoto. Engoliu em seco e falou:

— Olha Chaves... O que acha de comer um lanche?

— Um lanche? Eu quero!

Ele pegou na mão de Chaves e o arrastou para sua casa.

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