Me perdoe por te amar

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As rajadas do sol atravessavam sem piedade as cortinas brancas e pesadas. Meus olhos, embora cansados, lutavam para se manterem em alerta, na tentativa de reconhecer o ambiente em que eu estava. As luzes florescentes me deixaram desconfortáveis e a primeira coisa que percebi quando minha consciência pareceu voltar um pouco, foi um pequeno arranjo de flores ao lado da cama, com um cartão ao lado, sobre a mesinha de vidro transparente. Respirei, sentindo os pulmões gelarem com o ar condicionado forte que soprava o vento diretamente para mim.

—Raven. —Uma voz conhecida me alertou, fazendo meus olhos percorrerem o ambiente na intenção de reconhecê-lo —Oi, pequena. Que susto você me deu em.

Naquele planeta enorme só havia uma única pessoa que me chamava de pequena e da última vez que eu nos falamos, ele estava bem longe e feliz com a família.

Virei o rosto lentamente na direção oposta da mesinha de vidro e gemi ao sentir uma dor pulsante que ia dos ombros até a nuca, se espalhando pela cabeça.

—Devagar, garota. Você precisa ir devagar. —Ele avisou, em um sussurro familiar.

Suas mãos firmes ajeitaram um travesseiro atrás da minha cabeça, me fazendo ficar mais inclinada e assim poder enxergar as coisas em volta com mais clareza. Reconheci as paredes em um tom verde claro e a pequena televisão pendurada, enquanto transmitia um desenho animado que no momento estava sem som.

Consegui virar o rosto totalmente em direção a Peter, meu irmão mais velho. Precisei de alguns segundos para me dar conta de que eu não o via a pelo menos um ano, e suspirei quando ele segurou minha mão e acariciou meus dedos. Uma paz gritante tomou conta de mim, já sentindo meus olhos arderem com a saudade que inundou meu sistema. Vê-lo ali bem na minha frente me lembrava a época em que vivíamos em tempos mais fáceis, com mamãe e minha pequena rebeldia no colégio aos quinze anos. Suspirei, sentindo meus lábios tremerem ao observar seu cabelo, agora mais cumprido, e seus olhos de um verde quase mel.

—Peter, o que você tá fazendo aqui?

Seus dedos apertaram os meus levemente e ele levou a outra mão até meus cabelos, afastando algumas mexas para trás e afagando-os lentamente enquanto me olhava nos olhos.

—Somos a única família um do outro e quando o Kyle me contou o que aconteceu eu peguei o primeiro voo até aqui. —Sua pausa deixou um pequeno vácuo com o qual eu precisava me lembrar —Você devia me ligar mais vezes, talvez eu tivesse te ajudado a não se envolver nesse problema todo.

Pisquei algumas vezes, levando os olhos até a cama em que eu estava deitada. Lentamente, as lembranças do que aconteceu foram voltando e eu precisei puxar todo o ar que pude para não acabar entrando em colapso.

Andrew. —Eu disse, ao me lembrar da noite passada.

—O cara de olhos intensos? Ele está bem, considerando tudo o que houve. —Peter assegurou, afagando meus dedos e me fazendo voltar a encara-lo.

—Eu não tinha a intenção de... —Minha voz se quebrou ao meio quando as lágrimas me invadiram de uma só vez.

Peter me segurou nos braços, dizendo palavras curtas de conforto, garantindo que tudo ficaria bem. Mas a essa altura, eu não sabia se as coisas poderiam voltar a ser o que eram antes. Não depois da noite que tive.

Um barulho na porta fez Peter se afastar e meus olhos serem levados até lá. Kyle estava de pé, parado com as mãos no bolso da calça. A visão dele, com uma das camisas que lhe dei a alguns meses e aquele seu olhar perdido e distante fez meu corpo estremecer. Não. Nunca nada seria como antes.

—Posso falar com ela um minuto? —Sua voz baixa, porém calma, inundou o ambiente.

Peter se levantou, estava na defensiva. Eu sabia que ele negaria, sabia que ele tentaria me proteger. Mas também sabia que Kyle nunca me machucaria de propósito. E sabia que devia uma conversa sincera com ele.

—Deixe-nos a sós, Peter. Por favor. —Pedi ao meu irmão.

Ele respirou fundo, se inclinou e deixou um beijo na minha testa.

—Vou buscar algo para você beber. Já volto. —Meu irmão disse, antes de ir até a porta e parar em frente a Kyle —Tem sorte que ela esteja viva, cara. Eu acabaria com você. —Ele disse fervorosamente antes de sair esbarrando no ombro de Kyle.

Suspirei, quando Kyle olhou para o chão e caminhou até a mim. Suas mãos se apoiaram na grade da cama, seus olhos cabisbaixos e sua boca franzida como se ele estivesse com uma culpa imensa dentro de si. Uma culpa que ele não devia sentir.

Levei minha mão até a sua, cobrindo-a carinhosamente. Seus olhos esperançosos observaram meu rosto, uma coisa indecifrável neles. Era estranho que depois de todos esses anos, Kyle e eu estivéssemos diante do outro com tanta estranheza.

—Eu não quis te causar isso.

—Eu sei. —Garanti a ele, seus olhos imersos com lágrimas que ele tentava segurar.

—Raven, me perdoa. —Sua voz falhou quando Kyle estremeceu, deixando escapar uma lágrima.

—Shhh —Sussurrei, puxando-o para um abraço —Sou eu quem deve desculpas aqui. Eu não queria que as coisas tivessem acontecido dessa forma, Kyle. Não queria machucar você.

Seu corpo estremeceu, um soluço escapando do fundo de sua garganta. Não contive minhas lágrimas também, sentindo um aperto no peito por vê-lo daquela forma.

—Eu bati em você, Raven. Por Deus! Eu bati em você!

Ele se afastou de modo que conseguíssemos nos olhar nos olhos. Passei a mão que estava livre em seu rosto, acariciando sua bochecha antes de afastar as lágrimas.

—O que aconteceu foi um acidente. Eu sei que você nunca me machucaria, Kyle. Está tudo bem.

Ele suspirou baixo, enquanto se acalmava e olhava para mim. Seus olhos se fecharam por alguns segundos antes de ele segurar carinhosamente minha mão que antes estava em seu rosto e levá-la até seus lábios, beijando,a castamente.

—Sei que ninguém é capaz de mandar no próprio coração. Eu entendo que eu acabei adiantando todo o processo entre você e o... —Kyle engoliu seco, fechando os olhos outra vez e balançando a cabeça como se para limpa-la —Eu te entreguei de bandeja para ele, não é?

Apertei os lábios comprimidos, na intenção de me controlar em relação ao choro. Apertei seus dedos, querendo que de alguma forma Kyle soubesse que o que tivemos foi uma das coisas mais importantes para mim e que, independente se eu estivesse amando outro cara agora, ele sempre seria o meu primeiro amor. E eu o devia tudo o que era a essa altura. Kyle me ensinou a ser boa, me ensinou a amar e também me ensinou que quando a gente tem certeza de uma coisa, vale muito bem lutar por ela. Eu nunca o esqueceria.

—Talvez se a gente não tivesse se mudado...

—Não tem como saber, Kyle. —Seus olhos me analisaram brevemente antes de desviarem para seus sapatos —As coisas são o que são e não podemos fugir disso. Mas eu entendo se você me odiar agora.

—Odiar você? —Ele voltou os olhos para mim imediatamente e segurou meu rosto entre as mãos —Eu te amo, Raven. E eu nunca vou me perdoar por cada segundo que eu estive ausente, cada minuto ao telefone enquanto você precisava de mim ou cada hora em que eu podia estar com você e acabei me envolvendo com mais trabalho. Isso só te afastou de mim e te levou para perto dele. E eu vou me arrepender por isso todo santo dia, minha princesa.

Um soluço escapou da minha garganta, uma agonia misturado com desespero por estar tendo aquela conversa. Eu nunca duvidei de que Kyle me amava, mas por ele eu devia ter sido sincera desde o começo. E agora eu o tinha quebrado ao meio, como eu sempre temi que acontecesse comigo. Se eu fosse me arrepender de algo, seria por não ter sido sincera desde o início e estar magoando tanto uma pessoa tão importante para mim.

Puxei Kyle para um abraço apertado enquanto ele chorava em meus braços e me dei conta de que aquilo, entre todas as palavras que trocamos, era um adeus definitivo.

E eu nunca senti tanto medo quanto agora.

Desejo InsanoOnde histórias criam vida. Descubra agora