Está tudo bem, pode chorar

128 6 5
                                    

Obs: Recomendo que antes de ler este capítulo você conheça o trabalho da @JuliaInnvinnchl, a personagem Alice é de autoria dela.

Juro que tentei, mas desde que Heitor voltou para seu mundo eu não consegui mais me concentrar na banda da mesma forma que antes. Lud tentou me ajudar, fizemos alguns de seus exercícios de meditação, mas não funcionou. Tentei o palpite do James e cai de cabeça no mundo dos jogos virtuais, mas eles não são para mim. Eu até mesmo aceitei os conselhos do Bob e me entupi de bata frita por uma semana na esperança da dor de barriga me dar outra coisa na qual pensar.

No entanto, toda vez que meus olhos recaiam sobre meu amado teclado, minha mente viajava para os dias que passei com Heitor. De verdade, eu estava perdendo o controle da minha vida e isso não era aceitável. Precisava de uma solução e tinha que ser rápido porque os Under Undergrounds mereciam uma tecladista e vocal melhor do que eu estava sendo nos últimos meses.

De alguma forma, os deuses do rock (como diria o Lud) ouviram minhas preces e jogaram a solução na minha vida da maneira mais inesperada possível. Conheci Alice em uma tarde de passeio no shopping com a minha mãe!

Longa história, curta? Bandidos, susto, Alice ninja e facadas. É, acho que isso resume meu primeiro encontro com aquela que viria a se tornar minha melhor amiga. Alice era a peça que faltava na minha vida porque com ela era fácil falar sobre meus problemas. Ela não tinha conhecido o Heitor e ter o ponto de vista de quem está fora do problema é uma das melhores maneiras de encontrar uma solução para ele.

Contei tudo para ela, desde o dia em que Heitor caiu na minha garagem até o fatídico dia de seu retorno ao mundo dos humanos. Sim, quando digo que contei tudo, é tudo mesmo. Sei lá, pode me julgar, mas eu simplesmente senti que podia confiar naquela garota e o tempo me mostrou que não estava errada.

Diferente dos demais, Alice não tentou me dar ideias sobre como esquecer o Heitor, ela foi justamente no sentido oposto e me forçou a lembrar dele. Sempre que alguma coisa disparava uma memória sobre o tempo que passamos juntos, ao invés de me permitir fugir, Alice criou o que chamava de "sessão choradeira". Perdi as contas de quantas vezes ficamos no meu quarto, deitadas na minha cama enquanto eu chorava sem parar.

No começo, me parecia ridículo chorar por um menino. Nunca imaginei que fosse me encontrar nessa situação. Só que depois de alguns dias as coisas... eu não sei... a dor não foi embora, ela apenas se tornou familiar. Como uma velha amiga, entende? Tudo bem se não entendeu, eu mesma levei um tempinho para processar isso e, para variar, quem me ajudou foi a Alice. Tivemos uma conversa sobre meus sentimentos uma tarde chuvosa, lá em casa, e sempre vou me lembrar desse dia.

— Chorar costumava ser um sinal de sofrimento para mim, mas agora... eu não sei, me ajuda a clarear as coisas. Parece loucura, não? — Falei para Alice, jogando uma pipoca para o alto e a pegando com minha boca.

Ela riu e fez o mesmo gesto que fiz com a pipoca, só que ela arremessou dez para o alto de uma vez só e não deixou uma só cair na cama. Isso teria dado inveja até mesmo para o Bob e fiz uma anotação mental de contar a cena à ele assim que tivesse a chance.

— Tudo fica mais fácil quando é familiar, foi uma das primeiras coisas que aprendi com artes marciais. Por que acha que damos socos e chutes na madeira? — Ela me explicou e piscou o olho com uma cara de "mestre ninja" que só ela sabia fazer.

Ri daquilo e bati meu ombro no dela. Alice virou o rosto para me encarar e só nesse momento meu cérebro registrou que estávamos deitadas lado a lado em uma cama de solteira, o que nos deixava muito perto uma da outra. Senti um calor esquisito na bochecha, coisa que eu só havia sentido com o Heitor. Nessa hora o meu cérebro resolveu que minha vida era complexa demais e foi dar um passeio no limite do mundo.

— Brincadeiras à parte, fico feliz de ter te ajudado. Mas quem fez todo o trabalho foi você, sabe disso, certo? — Alice me perguntou.

Fiz que sim com a cabeça porque não estava certa de que conseguiria formular frases com nexo. "Os olhos dela sempre tiveram esse brilho lindo ou ela acabou de desenvolver esse poder?" me perguntei em algum lugar da minha cabeça.

— Mas agora precisamos fazer a prova de fogo! — Ela disse, ficando de pé com um impulso só. O gesto me tirou do meu transe e quando percebi, Alice apontava na direção do meu teclado.

Entendi o que ela planejava e tive medo.

— Não sei se estou pronta. — Falei, sendo bem sincera.

— Só tem um jeito de descobrir. Vai lá, garota, eu sei que você consegue!

— E se eu não conseguir? — Perguntei, ficando de pé.

— Ai você chora de novo, eu faço mais pipoca e assistimos algum filme meloso do qual vamos passar a noite toda rindo. Não me parece um programa ruim.

O sorriso confiante dela me deu forças e coragem. Caminhei até o teclado e, sem pensar demais, comecei a tocar "Nossa música". Se eu fosse capaz de tocar esse som sem despedaçar ou surtar, seria capaz de tocar qualquer coisa.

— Isso, uma nota depois da outra. — Alice me incentivou e quando chegou o momento em que o Heitor normalmente se uniria à minha voz, ela começou a cantar junto de mim.

Fechei os olhos, respirei fundo e segui o conselho dela. Nota a nota, verso a verso, só coloquei na cabeça que eu iria fazer aquilo e quando percebi... estava funcionando!

Quando terminamos, senti um baque e demorei para entender que era só a Alice me abraçando.

— Eu sabia que você ia conseguir! — Ela gritou.

Percebi que ela ia dizer mais alguma coisa, só que eu a interrompi com um beijo. Por que fiz isso? Não faço ideia. Só segui o que meu coração queria fazer. Os lábios dela eram doces e macios, o que me surpreendeu. Para uma garota tão linha dura como Alice eu esperava uma reação mais brusca, mas ela simplesmente me beijou de volta e seus lábios ao redor dos meus se tornaram a sensação mais incrível que senti na minha vida. Quando beijei Heitor me senti completa e feliz, achei que não tinha como encontrar essa sensação com outra pessoa e... pelos deuses do rock... eu estava errada.

— Alice... me desculpa. — Falei quando finalmente paramos de nos beijar. — Sei lá o que deu em mim...

— Tá tudo bem. — Ela me tranquilizou. — Eu sei como é deixar os instintos assumirem o controle, faço isso o tempo todo.

— Mas eu amo o Heitor... — Falei e sentei na cama, cobrindo o rosto com minhas mãos.

Senti Alice tocando minhas mãos com a dela, me forçando a encará-la.

— Eu sei que você ama o Heitor e tô de boa com isso. Sou sua amiga e não acho que fizemos nada de errado. Não é errado seguir o que seu coração pede. Se o Heitor for metade do cara que você me contou, tenho certeza de que ele iria dizer o mesmo.

Eu sabia que ela estava certa, o Heitor não era do tipo que surtaria por algo assim. Teria ciúmes? Com certeza, mas depois de esfriar a cabeça ele iria tentar entender. E eu precisava fazer o mesmo. Não tinha como negar que o que sentia por Alice ia além da amizade. Tinha algo à mais e eu queria muito entender o que isso significava.

— Isso é tudo muito confuso, mas gosto de você e gosto do Heitor. O que vamos fazer? — Perguntei, com medo do que Alice iria me responder.

Rindo, ela sentou do meu lado e deitou a cabeça no meu ombro. Sua mão se entrelaçou na minha.

— Sei lá, mas topo descobrir. Pode ser? — Ela disse.

Apertei sua mão e respondi.

— Pode sim.

* * * * * *Me conta o que achou deste conto!Me segue lá no Instagram: @luis_storytellere você também pode me mandar um Twitt em @LuiStoryteller

Coisas que aconteceram no Underground (Enquanto ninguém olhava)Onde histórias criam vida. Descubra agora