- Caules-de-Érbora, aos montes! – disse Veldegraix com um sorriso no rosto, mostrando um punhado de plantas cuidadosamente coletadas em suas mãos. O sol já havia passado do primeiro quarto do céu e a manhã avançava clara, sem nuvem alguma.
- Vel, combinamos que seria apenas uma noite para descansar.
- Eu sei, mas acho que devemos ficar mais um pouco.
Wiehaven observou Veldegraix guardar os caules em um frasco vazio de uma de suas bolsas, estava de volta com sua armadura e espada. Haviam colocado as provisões compradas na estalagem de Ram presa à cela de seu tordilho que naquele momento ignorava completamente os dois humanos dando atenção apenas à sua porção de aveia.
- O prefeito da cidade reuniu todo mundo hoje cedo e convenceu o povo a fazerem uma oferenda maior para apaziguar a fúria de Vargu, disse que Emala apareceu em seus sonhos e deu essa instrução – explicou – além disso, essa noite provavelmente será a última de luas cheias.
- Sua fixação em desvendar mistérios é inoportuna – Wiehaven afastava seu cavalo para servir a porção do lobuno de seu companheiro.
- Como sempre – riu – mas, Wen, sinto que algo vai acontecer em breve. Mais essa noite apenas depois vamos embora ao amanhecer, prometo.
A postura de sua companheira era sempre impecável, mesmo com o peso dos anéis e placas de aço, e seu olhar de um azul cinzento sempre afiado, mas justo. O conjunto formado por ambos, pensava Veldegraix, eram muito mais intimidadores que a lâmina de sua espada.
- Mas dessa vez não vou passar a noite na estalagem – informou.
Não demorou muito e há algumas centenas de metros de distância avistaram uma comitiva de camponeses caminhando em direção à orla da floresta trazendo consigo seis ovelhas. De onde estavam não conseguiam distinguir seus rostos, então não sabiam se dentre eles estavam alguém conhecido, apesar de Veldegraix suspeitar que pelo menos Buic deveria estar lá. Não se contendo, foi até lá montado em seu cavalo e logo atrás seguiu Wiehaven.
Haviam amarrado as ovelhas ao tronco de um carvalho e agora rezavam, pedindo à Emala que amansasse a fome de Vargu com o sacrifício proposto.
- Assim me foi revelado em sonho! – anunciou Buic aos demais – Agora está feita nossa parte, hoje à noite devemos todos ficar em nossas casas e rezar em família. Devemos acender velas à Emala para que nossas vozes cheguem em seus ouvidos.
- Emala terá misericórdia de nós – confiou Hol – isso tudo está acontecendo porque não temos mais a mesma devoção que nossos pais tinham.
Os dois filhos de Hol, Puk e Hunt também estavam lá além de mais uma dezena de outros moradores cujos nomes Veldegraix desconhecia, apesar de lembrar ter visto os rostos de alguns no dia anterior.
- Mestre Veldegraix – disse Buic ao vê-los – e senhorita Wiehaven! Certeza de que não podemos recebê-los por mais uma noite na estalagem de Puk?
- Certeza, prefeito – respondeu Veldegraix – vim apenas dar minhas últimas despedidas a vocês e agradecer novamente pela hospitalidade. Boa sorte com esse grande lobo à solta.
Trocaram ainda mais algumas palavras e começaram a se distanciar quando uma menina acompanhando a comitiva desatou a chorar aos berros, abraçada a uma das ovelhas ela se recusava a soltar e ir embora.
- Venha Flum, deixe ela aí, temos que ir para casa agora! – disse uma mulher enquanto tentava puxar a criança para si, apesar da bronca ela mesma parecia triste em deixar o animal.
- Não, mãe! Não vou! Vocês estão errados – gritava – Vargu não é mal assim, ele não machuca ninguém!
- Flum, quer dizer que você já viu Vargu? – perguntou Veldegraix e, talvez pela chance de alguém acreditar nela, parou um momento o choro.
- Já! – disse, limpando os olhos.
- E como ele é?
- Um lobo, bem grande, mas é bonzinho – depois de ter gritado tanto sua voz de criança quase não tinha mais forças para sair – Ele me ajudou um dia! Eu estava perdida na floresta e ele me ajudou a encontrar a saída!
- Vamos Vel, deixe-os em paz – interrompeu Wiehaven.
Trotaram vagarosamente para o norte, o sol a pino. Algumas pequenas plantações de trigo passaram à sua esquerda onde o terreno era mais plano.
- Esse tal Vargu existe mesmo, crianças não mentem – disse o homem.
- Crianças imaginam e acreditam em tudo.
- Exatamente! Olhe, Wen, está vendo aquele morro ali? Dali conseguiremos enxergar bem.
Veldegraix foi na frente, cavalgou morro acima para logo depois desaparecer do outro lado. Não era íngreme, mas na mesma inclinação que uma de suas faces subia a outra descia para dar em um pequeno vale habitado por algumas rochas e uma dezena de ciprestes alongados. Desmontaram, amarraram seus cavalos nos troncos e se sentaram na superfície achatada de uma pedra cinzenta.
- Qual seu plano exatamente? – perguntou a mulher.
- Agora é só esperar, enquanto isso me ajude a tirar o extrato desses Caules-de-Érbora aqui.
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Reinos Despedaçados
FantasyO Despertar aconteceu, Runeghast se levantou e destruiu o mundo dos homens, espalhando o caos nas Terras Distantes. Começa o período de reconstrução, dos escombros a vida ressurge lutando para se estabelecer novamente. Os Grandes Reinos não existem...