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CASSIAN

2002, Denver.

Cassian.

O menino encarou a mulher, os olhos ainda inchados de tanto chorar, e apertou com mais força o morcego de pelúcia decrépito nas mãos.

— Cassian, preciso que você seja sincero, está bem?

Os olhos do garoto tornaram-se tempestuosos, aquela tristeza de antes sendo preenchida por uma espécie nova de determinação. Uma que varreu para fora qualquer traço de fraqueza, que fez o marrom daquele olhar tornar-se incrivelmente raivosos, principalmente para uma criança de apenas dez anos.

— Eu nunca minto.

As palavras cortaram o ar e Ally ficou em silêncio por um longo segundo, apenas absorvendo a intensidade daquelas palavras.

— Acredito nisso, querido. Mas preciso que você entenda que você e Azriel estão contando histórias diferentes. Preciso saber qual delas de fato aconteceu.

— Eu nunca minto.

— Você quer me dizer que foi Azriel então? Que mentiu?

Cassian hesitou. Aquela tempestade silenciosa que inflava seu temperamento, por
um instante, retrocedeu. Ele também não gostava de chamar os outros de mentirosos. Mesmo Azriel.

E Ally percebeu a relutância dele e sorriu daquele jeito tranquilizador que às vezes tentava passar.

— Me conte a verdade então, Cassian, o que aconteceu no jardim?

— Azriel queria meu brinquedo.

— Este que você está segurando agora? — Ela olhou para as mãos de Cassian, que
seguravam aquele morcego de pelúcia como se ele de repensar pudesse criar vida e sair voando.

— Sim.

Ally deu outro sorriso e Cassian de repente percebeu que odiava aquele sorriso, assim como odiava tudo naquela casa. Odiava a forma como Ally sorria e fingia entender alguma coisa.

Ally não entendia nada.

E Cassian odiava que ela o olhasse como se entendesse, odiava como ela parecia aquela bruxa estranha do desenho que ele gostava. Mas, principalmente, odiava não poder se livrar dela. Mesmo que tentasse.

— Azriel me disse que não sabia que era seu, que estava jogado no chão.

O menino abriu a boca em puro choque, no auge de sua revolta infantil.

— Não tava não! Eu tinha colocado Puff naquele banco perto da macieira e sai para
ir fazer xixi. Ele pegou meu brinquedo e depois não quis me devolver!

Ally arqueou uma sobrancelha, seus cabelos castanhos brilhavam na luz florescente
daquela sala idiota.

— Por que você deixou esse negócio sozinho, Cassian? Você o carrega para todo
lado.

E uma raiva nova, mesclada com uma tristeza que despedaçava partes que Cassian odiava saber que eram quebradas, tomou conta dele.

— O que?

Ela respirou fundo, tirando os óculos e encarando-o de cima. Cassian também odiava a forma como Ally era irreversivelmente mais alta que ele.

— Seja como for, você não deveria tê-lo empurrado na fonte, Cassian. Sabe que aqui nós temos que divid...

— Não vou dividir Puff! Esse é o único brinquedo que não vou dividir. Tem mais milhões de coisas para aquele chato brincar. Não vai brincar com Puff!

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