Rosa

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Será que estou destruído?
Será que sou uma falha?
Será que eu mereço o mínimo de esforço
Ou eu sou apenas mais uma porra de causa perdida?
E será que eu sou humano?
Ou eu sou outra coisa qualquer?
Porque eu estou com tanto medo e não tenho ninguém
Para me salvar do pesadelo que sou eu mesmo
(Anson Seabra – Broken)

Mas, naquela tarde gelada de segunda-feira, a chuva ainda continuava ali.

Tamborilando ruidosamente no guarda-chuva vermelho, tão perturbadora que fazia a cabeça de Juvia doer. Merda. Da próxima vez que Natsu sugerisse beber até esquecer os problemas, lembraria de dar um belo murro na cara dele. Trincou os dentes, abraçando com raiva a sacola de papel que carregava; estava congelando, as maçãs pareciam pesar uma tonelada e nem o chiclete de morango conseguia tirar aquele gosto amargo da boca... Não sabia onde estava com a cabeça para aceitar uma proposta ridícula daquelas.

Tinha se divertido um pouco na noite anterior, mas... A Lockser suspirou, agarrando o cabo do guarda-chuva com força numa tentativa de ignorar os próprios sentimentos; era só álcool, só mais uma daquelas festas de bar, era mais uma alegria efêmera que escancarava suas feridas toda vez que ia embora.

E doía como o inferno.

Porque, mais do que ninguém, Juvia sabia que era impossível fazer a chuva parar. Depois de tantas falhas, de tanto tempo desperdiçado, sabia que não devia ter esperanças, mas... Mordeu os lábios, trêmulos de frio e tristeza, e adentrou o hall do hotel; era mais simples acreditar novamente em contos de fadas do que admitir que o problema era ela. Devia ser tão fácil; eram só nuvens, só chuva... Então, por quê? Por que aquela desgraça não podia ir embora?

Merda.

Um trovão ecoou, distante, pelas escadas vazias do segundo andar; mesmo sendo uma causa perdida, mesmo sabendo que raios não caem duas vezes no mesmo lugar, a esperança ainda insistia em sufocá-la. Deixou a sacola nos degraus por um momento, se esforçando para engolir aquele maldito bolo na garganta antes de entrar no quarto; seus pulmões queimavam, pontos de luz brilhavam na escuridão e, mesmo que faltassem apenas alguns passos até a porta, seu corpo tremia tanto que mal conseguia ficar em pé. Devia sentir vergonha de arrastar Natsu para dentro do inferno que era a sua vida...

Mas, tentando parecer minimamente apresentável, Juvia colocou o guarda-chuva no lugar e, trancando a porta, tirou os sapatos. Estou de volta, murmurou com a voz embargada, torcendo para que ele não a notasse; parado na frente da televisão, com uma toalha na cabeça e o controle remoto numa das mãos, Natsu passeava pelos canais enquanto cantarolava distraidamente uma das músicas tocadas no bar.

E a sensação gostosa que a voz dele lhe causava apenas fez seu peito doer ainda mais. Ele não merecia isso. Mordeu os lábios com força, sentindo o gosto de ferro inundar seu paladar; sabia que o Dragneel logo se cansaria, logo perceberia que a companhia dela não era tão interessante e a chuva apenas tornava tudo ainda mais triste e tedioso, mas mesmo assim... Seria egoísta demais esperar que Natsu não desistisse dela?

Colocou a sacola sobre a mesa, caminhando lentamente na direção dele; não queria ficar sozinha de novo. No fundo, tinha medo de si mesma. Tinha medo de passar tempo demais ouvindo sussurros de sua própria cabeça, de fazer todo tipo de loucuras e testar os limites de sua existência porque já estava morta por dentro, então não tinha problema.

Mas a verdade era que não queria morrer.

Os dedos trêmulos, cobertos parcialmente pelas mangas do casaco, tocaram a cintura morna do Dragneel; ele soltou um grito abafado, estremecendo dos pés à cabeça e derrubando o controle com o susto. Depois de tantas tentativas — de ver o próprio sangue escorrendo pelo ralo da banheira, ouvir o próprio coração desacelerando enquanto um Gajeel desesperado segurava com força seus pulsos e murmurava por favor —, Juvia só precisava de algo que a lembrasse de que ainda estava viva. O coração acelerado, os músculos tensionados, o cheiro apimentado; por mais fútil e insignificante que fosse, aquele abraço desajeitado era o suficiente para fazê-la respirar.

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