Penteio meus cabelos — agora longos — me observando no espelho. Me reflexo me mostra tanto sobre uma menina que mudou da água para o vinho. Eu vi e vivi coisas que não desejo a ninguém. Antes eu apenas desejava ter uma vida normal ao lado do meu pai, ter um trabalho digno e viver dignamente mas a vida tinha outros planos para mim. Sempre odiei tudo o que Felipe fazia, sempre detestei o fato de uma arma de fogo existir por conta da morte de minha mãe, e hoje quem esta atrás dela sou eu. Após tudo o que houve com Diguinho eu não tive muita escolha: estava sozinha na vida, a polícia atrás de mim por ser cúmplice de um dos traficantes mais perigosos do Rio de Janeiro, o que eu poderia fazer? Fiz o óbvio, me juntei com Felipe e deixei a sede de vingança tomar conta de cada célula do meu corpo. Diego merece pagar por tudo o que fez. Eu quis aprender tudo o que sei por motivo de segurança porque mesmo após Ret ter desistido do morro, ele — Diego — ainda nos ameaçava e eu precisava me defender de alguma forma, por tanto aprendi a atirar. Nós nunca sabemos quando e nem por onde o nosso inimigo vai atarcar.
O que eu definitivamente não contava é que eu iria gostar de tudo isso. Não apenas pelo dinheiro fácil ou pela adrenalina, mas pelo desafio pessoal e por me sentir mais segura. Hoje entendo porque muitos entram para essa vida, é algo surreal. Se eu pretendo ficar nela para o resto da minha vida? Eu não sei mas não sossego enquanto não aniquilar Diego de vez. Ele sabe que já não sou a mulher assustada de antes, vive me mandando recadinho através de crianças dizendo que vai me matar, que sou fraca ou que estou brincando de ser perigosa, enfim, tudo isso é para me fazer medo. Não da certo.
Felipe no início gostava de me ensinar tudo mas ele não contava que Genaro iria depositar tanta confiança em mim, o que o incomo não é eu estar nessa vida mas é eu esquecer da nossa vida pessoal as vezes. Percebi que não nasci para ser dona de casa.
— Amor, vai demorar muito?
Felipe chama ao outro lado da porta.
— Estou saindo já. Põe minha comida? — Peço.
— Já coloquei. Bora logo
Ouço seus passos se afastarem. Visto um short e uma regata, deixo meus cabelos molhados soltos. Chego na cozinha e avisto Kaua jantando sentadinho, minha comida em cima da mesa e Felipe colocando a dele.
Abro um sorriso ao perceber que Ret havia amolecido demais.As palavras de Felipe continuam duras mas seu comportamento sobre algumas coisas mudaram, a forma que ele me trata é diferente. Talvez ter passado pelo corredor da morte o fez aprender a dar valor ao que realmente importa.
O som dos fogos la fora mostram que algo esta errado mas se Felipe esta tranquilo, eu também estou.
— Ret, fala comigo...
O rádio soar. Pelo horário, não é coisa boa. Felipe me encara rapidamente e responde.
— Solta a voz.
— Ta dando merda por causa das barricadas da rua sete. Avistaram dois azulzinho.
— Porra, irmão. To partindo.
A rua sete era a única rua em que o movimento não estava, ou seja, não havia boca de fumo porque a área antes era tomada por milicianos mas Genaro matou um por um e logo quis por uma boca no local e para começar ele ordenou uma barricada mas óbvio que a polícia não iria deixar barato. Os moradores indignados denunciaram e a polícia veio como um cão faminto.
O problema é que alguna aceitam o arrego, outros não. Nessas horas eu realmente não sei se fico do lado dos moradores ou do nosso, é o momento de pensar por dois lados.
— Vou chamar a Dandara. Você pode ir ma frente, eu espero ela. — Digo.
— Quem disse que tu vai descer?
— Não preciso que ninguém diga o que vou fazer. Estou tão envolvida quanto você. — retruco
Ele bufa.
— Mariana, tu aprendeu a atirar agora, não vou deixar você ficar no meio do fogo cruzado. Não adianta.
— Veremos.
Ignoro o que ele diz em seguida, corro até o quarto e pego meu celular que estava conectado ao carregador. Mando mensagem para Dandara mas ela não visualiza, decido ligar ela atende rapidamente. Não precisei dizer muita coisa, a menina já sabia o que estava acontecendo e logo aceitou ficar com Kauã.
Quando saio do quarto Felipe já não esta, ele simplesmente largou o filho jantando, feijão fervendo no fogo e meteu o pé. Que filho da mãe! Observo a criança levantar e levar seu prato até a pia, com dificuldade ele consegue por lá, bebe seu suco e passa por mim sem se importar com meus olhos sobre si. Desligo o fogo e conto ps segundos para Dandara aparecer.
Não demora muito a menina aparece, quando a mesma passa por mim eu corro para o quarto em busca dos armamentos de Felipe, ele sempre põe debaixo da cama. Pego uma pistola qualquer, o filho da mãe tem uma Walther P22 mas nunca quis me ensinar a usá-la. Depender de Ret para me ensinar as coisas é horrível. Visto uma calça Jeans e uma camisa longa.
— Tranca tudo, e distrai ele, jae? — digo a Dandara.
A menina que antes mexia na televisão procurando algum desenho para Kaua, agora me observa atentamente.
— Ta bem. O negócio ta muito ruim?
— Não sei, mas vou descobrir.
— Boa sorte, então.
Dou um beijo em Kauã e saio de casa, as ruas estão vazias. Se os policiais estão entrando, o movimento esta na boca mais próxima a entrada. Dito e feito, lá estavam alguns deles mas eu não avistei Felipe.
Caminho rapidamente quando ouço o barulho da bala comendo. Adentro a boca e atraio olhares. Ignoro completamente e corro para a escada, afim de ir até o terraço para assim ter uma visão melhor do que esta ocorrendo.
Nunca tive vontade de estar no meio de uma troca de tiros ou algo do tipo mas tenho ciência de que não posso e não vou ficar me escondendo atrás de Ret. Se é para estar nessa vida, que seja de peito, mente e coração, ta ligado? Tenho que aprender na prática. Da mesma forma que hoje são os policiais subindo, amanhã pode ser Diguinho e preciso estar preparada para enfrentá-lo porque com certeza ele não vai ter pena. Ele que venha porque eu estarei mais que preparada.
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Complexo do Chapadão 3 (DEGUSTAÇÃO) (FINAL)
Teen FictionTerceiro livro de CDC O poder agora está nas mãos de Mariana. E Ret terá que se preocupar duas vezes mais, porque ninguém para quem tem potencial. Inocência aqui não tem vez, o jogo é insano e a sede de vingança os une em um elo inquebrável. Juntos...