Pensa em um homem dramático, é o Felipe. Faz dias que ele não fala comigo direito por conta do tiro que acertei em seu pé, isso não faz com que eu me arrependa mas ache graça. Hoje é sábado, tem baile e o movimento tá muito bom agora, no fim de tarde. Troquei de turno com um dos meninos porque hoje eu quero vender do baile, quero aumentar minha comissão, estou com um plano em mente, junto com Karol abrir uma loja de roupa aqui, ela só precisa tomar coragem e vir para cá. Eu poderia pedir esse dinheiro a Felipe e ele obviamente iria pedir emprestado a boca mas eu não quero que ele meta. A vida de Ret aqui não tem tantas mordomias como tinha no Final Feliz, hoje ele é gerente, não ganha tanto quanto anos e ainda tem desespesas de casa e filho eu o ajudo sempre mas o orgulhoso diz para eu guardar o meu.
Se eu parar para pensar, chega a ser engraçado. Eu tenho até apartamento, dinheiro na minha conta mas não posso usufruir de nada, a polícia não desistiu de mim e quer saber? No fundo eu sei que eles tem a minha localização o porque de não ter me pego ainda, eu não sei. Quero vender meu carro mas ele esta no Final Feliz e a esta altura do campeonato Diguinho já o destruiu assim como o de Felipe.
Encaro meu celular novamente, Felipe esta online mas não me mandou nenhuma mensagem desde que sai de casa. Se eu não tivesse acesso ao celular dele todos os dias, estaria desconfiada mas ultimamente ele não esta dando conta nem de mim. Nem sei a quanto tempo estou sem ver meu marido sem roupa. Tudo bem que a culpa também é minha, eu saio cedo de casa aa vezes só retorno para fazer o almoço e volto para as vendas, quando chego em casa estou destruída, mas ele chega ainda mais tarde e simplesmente dorme.
— Acorda, perigosa — Ouço Genaro.
Saio de meus pensamentos observando o homem a minha frente. Com um cigarro entre os dedos ele guarda a outra mão no bolso da bermuda.
— To sempre acordada.
— Vai curtir o baile? — indaga com seus olhos fixos nas casas abaixo de nós.
— Vou só para vender.
— Ta trabalhando duro, hein.
— To com uns objetivos em mente. — explico — quero abrir um negócio aqui mesmo, se você drixar, é claro.
— Se não for uma boca concorrente, pode tudo — brinca.
— Não é, pode ficar tranquilo — rio — han, o Felipe não sabe disso e não quero que saiba agora.
— Sabe que ele vai ficar puto, ne?
— Ele vai querer se meter, Genaro. Eu conheço, vai querer mandar em tudo.
— Se liga, tu é intermediário agora. Teu salário aumenta.
— Brigadão. — Digo animada.
— A responsa é maior mas sei que tu da conta.
— Claro que dou mas teu amigo vai odiar a ideia.
Ele ri, sabendo que é verdade.
— Ele é um cara legal, só é muito estressado. Ret se tornou um irmão. — ele me observa — amanhã é meu aniversário, e sempre é a mesma coisa. Eu fico trancado na boca o dia inteiro mas dessa vez vou ter um fechamento.
Me levanto da cadeira de ferro e ele se assusta.
— Poderíamos fazer alguma coisa.
— Ih, nem inventa.
Genaro é um homem solitário mas ansiava por momentos alegres.
— Mas to com uma vontade de comer um bolo e você? — digo passando a mão pela barriga.
— Você se anima com tudo. — diz sorrindo — mas deixa esse bagulho de lado.
— Pode deixar. — Confirmo.
Óbvio que eu menti. Iria sim ter o parabéns, com direito a bolo e tudo.
Bateu minha hora, corri para casa com a pistola na cintura e a mochila com as mercadorias nas costas. Hoje eu vendo tudo. Cheguei em casa Kauã estava cochichando no sofá e Dandara no celular. Merda, Ret não esta em casa ainda só vou poder ir se a menina puder ficar com Kauã. Odeio ter que falar isso porque realmente amo essa criança mas Felipe joga a responsabilidade toda para cima de mim. Ta doente? Mariana leva ao médico, Mariana chega cedo para fazer a comida dele, Mariana faz tudo. Compreendo que tenho que ajudar mas eu não tenho filho e não quer ter um, não posso parar minha vida para criar o filho dele quando na verdade ele mesmo não ta nem aí. Se tivesse, estaria aqui porque sabe muito bem o horário de Dandara.
— Nega, você pode dormir com ele hoje? — peço — te dou a mais.
— Eu não trouxe roupa. — Diz.
— Pode pegar qualquer uma das minhas. Eai, vai poder? Ou só até Felipe retornar.
— Tudo bem. Fico sim.
Abro um sorriso e corro para tomar um banho. Visto um short moletom da Adidas que é conjunto com o casquinho. Pego minhas coisas e ponho a pistosa na cintura novamente, como o casaco ia somente até metade da barriga, a bendita da arma ficou a mostra. Coloquei a mochila nas costas e fui embora.
Ela encostou no bailão
Trouxe um boldo pra nós dois fumar (caraca)
E eu, com aquele lança na mão
Avistei a vítima que vou machucarEspirra o lança
Cachorrada vai rolar
Espirra o lança
Quem tá a fim de transar? (E aê, Serpinha)Espirra o lança
Cachorrada vai rolar
Espirra o lança
Quem tá a fim de transar?Como é que nóis tava, pai?
Chapadin
Eu tô chapadin
Caralho, fodaO baile do Gogo da Ema ocorre na rua da comunidade, e como sempre, lota. As pessoas se sentem seguras de poder curtir um baile sem que ocorra troca de tiros.
Mesmo com o baile lotado consigo uma mesa para por as paradas e ali fico parada até que o pessoal vá se chegando. A batida alta do funk vez ou outra me faz dançar.
— Fala comigo, perigosa.
Ouço a voz conhecida de Jeff soar em meus ouvidos. Me viro avistando o mesmo com um fuzil e um frasco de lança nas mãos.
— Fala aí.
— Patrão já chega aí, nós tava la na boca resolvendo sobre a carga.
— que carga, garoto?
— Ué, porra. A carga de cigarro, ta desligadona.
Aqueio minha sobrancelha
— Não to sabendo disso.
— Não? Oh porra, o Genaro falou que tu bai ficar de frente e o Ret ta puto. Ta vindo com sangue no olho. — ele ri — pensei que tu não tivesse ido por isso.
— Ele ta vindo? Com o pé machucado?
Após retirar a bala o médico pediu repouso mas é óbvio que ele não iria fazer isso.
— Ah, para, tu acha que isso vai parar o Ret?
Ele ri.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Complexo do Chapadão 3 (DEGUSTAÇÃO) (FINAL)
Novela JuvenilTerceiro livro de CDC O poder agora está nas mãos de Mariana. E Ret terá que se preocupar duas vezes mais, porque ninguém para quem tem potencial. Inocência aqui não tem vez, o jogo é insano e a sede de vingança os une em um elo inquebrável. Juntos...