Capítulo 1 - A mudança

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Eles estavam felizes com a decisão que tomaram. Queriam que seu bebê, do qual ainda não sabiam o sexo, nascesse e fosse criado em uma cidade menor, a beira do mar. Escolheram a praia de Ao Sane, na ilha de Phuket, litoral sul da Tailândia, para morar e aquela seria uma viagem de reconhecimento do local. Anong Suriang estava com sete meses de gravidez, ainda teriam dois meses pra escolher a casa e providenciar a mudança. Era formada em pedagogia, mas, por conta da gestação, que ocorreu de maneira inesperada, adiou os planos de começar a trabalhar imediatamente. Por um tempo, iria se dedicar apenas ao bebê. Krist Perawat era formado em Engenharia da Tecnologia e trabalhava desenvolvendo aplicativos para celulares e, algumas vezes, prestando assessoria em segurança de tecnologia para empresas. Para ele, qualquer lugar com eletricidade e internet estava bom, desde que sua esposa e o bebê estivessem juntos! A escolha do local havia sido feita basicamente por Anong.

A viagem seguia tranquila. Já estavam na estrada há dois dias e não tinham nenhuma pressa de chegar. Devido à necessidade de Anong ir ao banheiro diversas vezes para fazer xixi, eles faziam muitas paradas. Em cada uma, eles aproveitavam um pouco do lugar; ora esticando as pernas, ora apenas apreciando o visual. E assim, foram seguindo em frente. Dentro do carro eles sorriam enquanto acompanhavam cantando as canções que tocavam no rádio, através de suas playlists. Faltavam pouco mais de cinquenta quilômetros para chegar ao destino, quando a tragédia aconteceu. Depois de uma curva, o caminhão apenas estava lá! Vinha pela contra mão em direção ao carro que Krist dirigia. Mesmo puxando o carro para o acostamento, não foi rápido o suficiente. O caminhão bateu com tudo no veículo, que, além de ter sido jogado para fora da estrada, capotou várias vezes antes de parar com as rodas viradas para o céu.

Dentro do carro, enquanto olhava para Krist e ver seu rosto ir se transformando em uma expressão de terror, Anong nem teve tempo de perceber o que causou aquela mudança. Na hora da colisão, sua cabeça foi jogada violentamente contra a coluna da porta, fazendo-a perder os sentidos instantaneamente. Krist sentia seu corpo, apesar de preso pelo cinto de segurança, sendo jogado de um lado para o outro, enquanto tudo girava ao seu redor. A cada volta que o carro dava, sua lataria ia se contorcendo mais e mais, enquanto se chocava com o terreno acidentado. Os objetos que estavam soltos se juntavam aos vidros que quebravam, machucando e ferindo os dois ocupantes ainda mais. Quando o veículo parou, Krist ainda tentou olhar na direção de Anong antes de perder totalmente os sentidos. A partir daquele instante, o tempo passou a ser o maior inimigo deles!

O socorro não demorou a chegar, mas o estado dos ocupantes era muito grave. Os dois estavam presos nas ferragens e a mulher estava grávida. Enquanto faziam os procedimentos necessários para liberar Krist e Anong das ferragens, a equipe solicitou ajuda aérea para o transporte dos acidentados. A vida dos dois estava por um fio.

Anong faleceu a caminho do hospital. Mas, como estava grávida, a equipe de socorro continuou a fazer os procedimentos de reanimação na esperança de que os médicos do hospital pudessem reverter a situação. Infelizmente, não obtiveram sucesso. Como os exames mostraram que o feto ainda se encontrava com vida, decidiram fazer o parto. A bebê, do sexo feminino, nasceu prematuramente com vinte e nove semanas, um pouco mais de sete meses, pesando um quilo, quinhentos e vinte gramas. Como apresentava dificuldades respiratórias, pelo fato dos pequenos pulmões não estarem totalmente amadurecidos, a bebê foi transferida imediatamente para a UTI neonatal para receber o tratamento adequado.

Na outra sala, a situação de Krist também era gravíssima. Os exames mostravam que ele sofrera um grave traumatismo craniano, além de apresentar sinais de hemorragia interna. Foi levado para uma cirurgia de emergência. Enquanto Dr Pete, neurocirurgião, abria seu crânio para liberar a pressão causada pelo sangramento e para tentar conter o inchaço do cérebro, outro cirurgião, o Dr Kao, tentava conter sua hemorragia interna. Foi quando teve a primeira parada cardíaca. O médico pegou o desfibrilador para reverter a situação. Tentou a primeira vez, aguardou alguns segundos e nada. Tentou a segunda vez, aguardou mais alguns segundos e nada. Tentou uma terceira vez e, mais uma vez, não obteve resposta. O médico declarou a hora do óbito às 17:25 h, mandando desligar as máquinas em seguida.

...

Krist abriu os olhos devagar e tentou reconhecer o lugar em que estava. Era um quarto pequeno, todo branco, com uma porta e uma pequena janela quadrada. Ouvia alguns barulhos do lado de fora, mas não conseguia identificar que tipo de som era aquele. Seguiu em direção à porta e quando a abriu estava tudo escuro do outro lado. Tentou acostumar sua vista à escuridão quando começou a perceber a silhueta de duas pessoas se aproximando. Uma mulher adulta e uma criança. Mais um tempo e percebeu que se tratava de Anong de mãos dadas a uma menina, que aparentava ter mais ou menos cinco ou seis anos. Quando começou a ir em sua direção, Anong falou com ele:

- Não, Krist. Você não pode vir agora!

- Não estou entendendo! Ir pra onde? Para onde você vai e por que eu não posso ir? Perguntou Krist.

- Porque é a minha hora e não a sua. Respondeu Anong com um sorriso tranquilo no rosto. E vocês têm que cuidar de nossa filha. Continuou.

- Como assim? Do quê você está falando? Quem vai cuidar de nossa filha? Quem é essa garota?

- Essa garota é a Myna e está nos ajudando! Falou, sorrindo mais uma vez. Não fique preocupado, apenas abra seu coração que ele vai cuidar de vocês. Ele precisa de vocês e vocês precisam dele. Não desperdice essa chance! Agora as duas estavam sorrindo.

Anong chegou perto do seu marido, colocou a mão em seu coração, provocando uma imensa onda de calor no corpo de Krist, deu um beijo de despedida em seu rosto e disse:

- Agora volte! E o empurrou para dentro do quarto, fechando a porta em seguida.

...

Quando o assistente se preparou para desligar os aparelhos, o característico barulho do bip do monitor cardíaco voltou a ser ouvido dentro da sala. O coração de Krist tinha voltado a bater. Os médicos terminaram a cirurgia sem mais intercorrências. Agora, só restava esperar o paciente se recuperar.

O Fisioterapeuta (Portugues-BR)Onde histórias criam vida. Descubra agora